Coordenadoria de Comunicação do Gabinete do Reitor - UFRJ www.olharvirtual.ufrj.br

Edição 234      16 de dezembro de 2008


No Foco

UFRJ desenvolve estudos sobre núcleos de atenção
às mulheres

 

Cinthia Pascueto – AgN/Praia Vermelha

foto no foco

A UFRJ, em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, realiza uma pesquisa pioneira sobre o atendimento a mulheres vítimas de violência sexual, apresentada no seminário “Diários no enfrentamento à violência sexual contra a mulher: um desafio para as políticas sociais”, no dia 8 de dezembro. A iniciativa parte do Núcleo de Saúde Reprodutiva e Trabalho Feminino da Escola de Serviço Social da UFRJ, orientado por Ludmila Cavalcanti, professora da Instituição, e visa melhorar as respostas dos serviços de saúde na prevenção da violência sexual contra a mulher.

A pesquisa denominada “Avaliação dos núcleos de atenção às mulheres em situação de violência sexual no município do Rio de Janeiro”, analisa a incorporação dos parâmetros da norma técnica do Ministério da Saúde pelos núcleos da Secretaria Municipal de Saúde nas maternidades municipais, considerando também as percepções dos profissionais de saúde, dos gestores das maternidades onde estão localizados os núcleos e das mulheres atendidas, contabilizando 120 entrevistas, segundo Ludmila. “Essa pesquisa, para o ano de 2009, deve ser ampliada para todo o estado do Rio de Janeiro”, revela.

A apresentação do estudo, de caráter avaliativo, interinstitucional e interdisciplinar, foi, inclusive, um dos objetivos do seminário realizado no dia 8 de dezembro, que também promoveu atividades voltadas para a capacitação dos profissionais e gestores da secretaria municipal de saúde e integrou trabalhos e eventos dos 16 dias de ativismo pelo fim da violência contra a mulher. “Essa é uma campanha de adesão internacional, da qual fazemos parte pelo terceiro ano consecutivo”, conta a professora, lembrando que a ocasião também comemora os 10 anos do Núcleo de Saúde Reprodutiva e Trabalho Feminino. Os projetos do Núcleo podem ser conferidos no site www.ess.ufrj.br/prevencaoviolenciasexual.

Os números

Existem atualmente cinco núcleos de atenção às mulheres vítimas de violência sexual atendendo no Rio de Janeiro, sendo que, desde 2006, os núcleos atenderam mais de 750 mulheres. Segundo Ludmila Cavalcanti, uma a cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência de gênero ao longo de suas vidas, podendo alcançar índices superiores em alguns locais. “Esse é infelizmente um fenômeno comum, que atinge e causa sofrimento a muitas mulheres. Se o Brasil não adotar uma política de prevenção a esse fenômeno, pode chegar a um gasto de 10% de seu Produto Interno Bruto e, se a análise for ampliada para a América Latina, a 14%”, afirma a professora.

Os núcleos de atendimento atuam como unidade de referência para mulheres vítimas de violência sexual. O atendimento pode ser encaminhado por qualquer instância: a mulher pode vir de casa, da delegacia, de outros hospitais, de qualquer maneira ela poderá chegar à maternidade para receber a profilaxia de prevenção à DST, à hepatite, a contracepção de emergência e, caso exista uma gravidez, ela poderá ser encaminhada para o serviço de interrupção de gestação – aborto – previsto em lei.

Além do atendimento médico de emergência, a mulher recebe também o acompanhamento de psicológico, ambulatorial e assistência social, para a orientação de direitos e o acompanhamento à mulher, à família e aos demais envolvidos com o trauma. A paciente é também encaminhada para prestar denúncia, na delegacia.

A pesquisa

De acordo com Ludmila Cavalcanti, os dados indicados na pesquisa avaliativa, mostram que existem muitos pontos positivos no trabalho realizado pelos núcleos, mas que ainda há muito a ser feito no enfrentamento à violência, sobretudo sexual, contra a mulher. “Segundo as pacientes que responderam à avaliação, os núcleos oferecem um acolhimento satisfatório, bem como em relação às orientações fornecidas por profissionais durante o atendimento de emergência e informações sobre os direitos legais das mulheres”, lista a coordenadora.

– Outro ponto importante e bem avaliado é a distribuição de material educativo. Claro que existem profissionais que reconhecem a dificuldade de abordar algumas questões no momento que a mulher está sendo atendida. Por outro lado, a gente vê que há uma distribuição regular de informações, o uso dos cartazes e folders, que é bastante positivo – pondera a professora.

No entanto, algumas dificuldades são verificadas na pesquisa. Um exemplo é a atitude de alguns profissionais em relação ao aborto legal, isto é, quando fica provado que a gravidez é consequência de uma violência sexual. “Ainda vemos profissionais que criminalizam o aborto, que de certo modo responsabilizam a mulher e apresentam dificuldades em adotar uma atitude de garantia de direitos”, explica Ludmila. Ela conta que, em alguns casos, esse tipo de posicionamento do profissional o leva tanto a não oferecer a contracepção de emergência, que é uma medida preventiva para uma gravidez futura, quanto a deixar de encaminhar essa paciente para o Hospital-maternidade Fernando Magalhães, que é hoje a única unidade da Secretaria Municipal de Saúde que atende casos de aborto mediante gravidez causada por violência sexual, e é procurado por pacientes de todo o estado do Rio de Janeiro.

Outras dificuldades encontradas relacionam-se à adesão das mulheres. “É muito difícil, tanto que conseguimos entrevistar apenas um número reduzido de mulheres, devido à impossibilidade de contatá-las na emergência e da dificuldade das mulheres e dos serviços em continuar no acompanhamento oferecido pelos núcleos”, disse a professora. A mulher que sofre violência sexual deveria ser acompanhada, após o atendimento de emergência, pela assistência social e ambulatorial, que envolve o apoio psicológico e o atendimento pelo ginecologista. Apesar de essa base ser oferecida pelos núcleos, muitas mulheres não retornam. “Ela não volta por vergonha, falta de recurso, porque isso envolve sofrimento, enfim, uma série de dificuldades que esse tipo de violência acaba causando”, lamenta Ludmila que, ainda, aponta como dificuldade a falta de um sistema de informação integrada no atendimento às mulheres.

– Deve-se desenvolver uma integração mais eficaz. De fato, a mulher que sofre a violência sexual, deve não só recorrer ao sistema de saúde, mas a uma série de serviços disponíveis, como abrigos, a delegacia especializada, o acompanhamento, a orientação jurídica. Esses serviços devem fazer parte de uma rede. Aqui no nosso município nós não temos uma rede efetivamente. Temos serviços que se comunicam, mas que estão longe de ser uma rede consolidada – afirma Ludmila Cavalcanti. “Além disso, o sistema de informação pode ser melhorado, tanto dos prontuários quanto da integração que inclua várias instâncias de governo e várias políticas sociais. Precisamos caminhar para a notificação compulsória e um sistema integrado de informações eficiente – ainda inexistente”.

Perfil dos profissionais e pacientes

Segundo a pesquisa da ESS, os profissionais e gestores têm em geral duas ou mais pós-graduações, na maioria são mulheres, de faixa etária acima de 40 anos, com de 20 anos no serviço e uma trajetória profissional extensa; a maior parte das equipes de atendimento é composta por médicos, enfermeiros e assistentes sociais, três profissões previstas na norma técnica, além de psicólogos, em menor quantidade. Com relação aos conceitos que envolvem o conhecimento dessa temática, isso depende do treinamento e participação desses profissionais em projetos e cursos oferecidos tanto pela Secretaria Municipal de Saúde quanto pelo Núcleo de Saúde Reprodutiva e Trabalho Feminino ou outras instituições sobre o enfrentamento à violência sexual contra a mulher.

– No entanto, chama a atenção o fato de que esses profissionais não tiveram bastante aproximação com esse tema durante sua formação profissional –, revela Ludmila. “A graduação não prepara profissionais que vão atuar na área da saúde para o atendimento a mulheres em situação de violência sexual”, afirma a professora, e explica, “Isso porque há uma invisibilidade desse tema na formação profissional. Mesmo que isoladamente algumas universidades abordem o tema, não é transversal ao currículo, como a discussão de gênero, dos direitos das mulheres, dos direitos humanos, dos direitos sexuais e reprodutivos e a discussão sobre a violência contra a mulher, inclusive a violência sexual“, disse.

Outra questão apontada por Ludmila é o perfil das mulheres. “As mulheres atendidas nesses núcleos, em caráter emergencial, na maior parte dos casos, são mulheres cuja violência foi perpetrada por um desconhecido, quando, na verdade, a maioria das violências sexuais é cometida por parceiros íntimos, ou seja, ex ou atuais maridos, companheiros e namorados.”

O estudo mostra também que as mulheres que sofrem a violência sexual por um desconhecido e procuram os serviços são em geral de baixa renda, com inserção frágil no mercado de trabalho, pouca escolaridade (entre 5 e 11 anos de estudo) e moradoras das zonas Norte ou Oeste do Rio de Janeiro. “Existe um perfil muito específico de mulheres que procuram os núcleos”, conclui a professora.

Aborto legalizado

– Em um município do tamanho do Rio de Janeiro, é importante que os serviços oferecidos estejam os mais próximos possíveis das mulheres – afirma a professora. “Por outro lado, na medida em que a contracepção de emergência seja oferecida às mulheres e funcione, não vai ser necessário recorrer ao aborto. Portanto, não há necessidade de as cinco maternidades municipais ofereçam esse serviço.” Para Ludmila, um núcleo hospitalar que realize esse procedimento, no caso, o Hospital Municipal Fernando Magalhães, em São Cristovão, é suficiente para a demanda, pois não existe fila de espera e aguarda-se que, futuramente, não seja necessário lançar mão dessa medida. “O aborto é algo indesejável. O ideal é que a mulher vítima de violência sexual nem chegue a esse estágio”, finaliza a especialista.

 

Anteriores