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Edição 173      28 de agosto de 2007


Olho no Olho

Sopa de letras

Nathália Perdomo

imagem olho no olho

A idéia é antiga. As reformas na ortografia da língua portuguesa — a terceira mais falada no ocidente — foram propostas, inicialmente, em 1990. Muitos acreditam que a “universalização” do idioma é fundamental para sua divulgação internacional, além de facilitar a definição de alguns critérios para exames e certificados para estrangeiros. Em contrapatida, outros garantem que essa idéia não causa nenhum impacto substancial.

Com a reforma, prevista para ser instituída em janeiro de 2008, os membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) — Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor Leste — terão a ortografia unificada.

As palavras paroxítonas terminadas em “o” duplo deixarão de ter acento circunflexo, por exemplo abençôo (abençoo) e vôo (voo). O acento circunflexo na terceira pessoa do plural do presente do indicativo e do subjuntivo também será dispensável. Eles leem, creem e veem. O trema desaparecerá, apesar de ter perdido a popularidade há muito tempo. Além disso, o “h” inicial de algumas palavras utilizadas em Portugal, como “húmido” será extinto. Portanto, não mais húmido, e sim úmido. Percebeu? Apenas as palavras indicadas pela etimologia não sofrerão mudanças. Homem, graças ao homini está a salvo.

No entanto, como ficará a questão do ensino nas escolas? Qual a real importância das mudanças para os usuários? Para discutir o tema em questão, o Olhar Virtual conversou com Cristiane Madanêlo de Oliveira, professora de Língua Portuguesa do Colégio de Aplicação (CAp/UFRJ), atendendo, atualmente, turmas do ensino médio e com Dinah Callou, professora de Língua Portuguesa da Faculdade de Letras (FL/UFRJ).

Cristiane Madanêlo de Oliveira
Professora do CAp/UFRJ

“A proposta de unificação ortográfica tem por principal objetivo facilitar o intercâmbio cultural e político entre as oito comunidades falantes de língua portuguesa no mundo. Como as línguas não são estáticas no tempo e no espaço, há a necessidade de rever os princípios que regem o funcionamento lingüístico, a fim de não gerar um afastamento muito grande entre a teoria e o uso do idioma.

Na próxima reforma, o que se estará implementando é um conjunto de princípios ortográficos, mas pode ser também uma boa oportunidade para se discutir mais questões referentes ao idioma. Vários especialistas na área de língua portuguesa já apontaram a necessidade de discutir o chamado "preconceito lingüístico" que torna muitos falantes "analfabetos" em sua própria língua quando se trata do uso do chamado registro "culto". Ainda que não sejam profundas alterações, a reforma ortográfica já abre um bom precedente para essa discussão.

O esclarecimento à população, entretanto, não está sendo feito a contento e a maioria dos falantes nem sabe quais serão as mudanças propostas. Os próprios professores de Língua Portuguesa desconhecem o teor da reforma e muito se ouvem versões equivocadas de quais sejam os princípios mudados.

Podemos observar alguns itens dessa reforma para exemplificar: a retirada de letras de algumas palavras na versão portuguesa da língua também auxilia na leitura de textos escritos intercambiados entre países: baptismo vira batismo, adopção vira adoção e húmido vira úmido. A inclusão de "k", "w" e "y" no alfabeto, que passa a ter oficialmente 26 letras, apenas reconhece o que de fato já ocorre. Vários nomes próprios registram essas letras, além das versões em português do editor de textos mais usado no Brasil (Word - Microsoft), que dispõem de mecanismos de inclusão automática de tais letras.

Todo processo de mudança está atrelado a um tempo de adaptação e a um ônus. Por isso, a resistividade a quaisquer mudanças é natural. Obviamente, essas alterações implicarão custos com edição de dicionários, reestruturação em gramáticas e programas de revisão ortográfica, além de todos os livros que nos rodeiam. Já passamos por um processo parecido em 1971, quando a última reforma ortográfica foi implantada no Brasil. Estamos, hoje, prontos para novas mudanças em respeito à vitalidade de qualquer idioma.

Enquanto professora de Língua Portuguesa, acredito que precisamos informar a todos os falantes sobre as mudanças e garantir um tempo de adaptação.

De uma maneira geral, algumas alterações são mais relevantes para Portugal que para o Brasil, como é o caso da supressão de letras. Em outros casos, as novas regras podem ser pouco chocantes para os usuários brasileiros, como é a retirada do trema.

A informação deve chegar, prioritariamente, aos professores de Português para que possam ser multiplicadores para seus alunos em processo de escolarização. Para os alunos, é fundamental, além de ensinar os novos princípios, explicar os motivos das alterações e deixar clara a finalidade das mudanças. A partir do momento que se entende a dimensão da reforma em nível mundial, pode-se empreender um esforço para conhecer novos princípios lingüísticos.

Há que se considerar que os alunos ainda em processo de escolarização são falantes privilegiados porque podem conhecer primeiro e melhor a reforma. Muitas vezes, os próprios estudantes são agentes difusores das mudanças no referencial de cultura de uma nação. ”

Dinah Callou
Professora da Faculdade de Letras da UFRJ

“Ao que parece, as vantagens previstas com a unificação da ortografia da língua portuguesa estão relacionadas ao mercado editorial, que produzirá a mesma edição para vários países. A motivação é baratear as edições. Em vez de se produzir uma (edição) para cada país, uma única valerá para toda a comunidade dos países de língua portuguesa. É mais econômico. A origem da questão está também na idéia de unificação dos países de língua portuguesa.

No caso da abolição de sinais diacríticos, como o trema, —que em Portugal já não se usa — e de acentos diferenciais, a reforma é mínima. É inócua do ponto de vista lingüístico, pois ortografia é convenção, é uma representação gráfica e não interfere na evolução da língua. Portanto, mudanças na ortografia não causam impacto. A questão do ensino passa longe disso, é de outra natureza.

A idéia é apenas simplificar, eliminando elementos gráficos que não interfiram no entendimento da forma. Retirar o acento agudo de pára (verbo) não o fará ser confundido com para (preposição), pois o contexto de uso resolve o problema. E assim por diante. A reforma que estão propondo dificilmente será percebida pelo usuário comum, apenas para o profissional que trabalha com isso. "

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