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Edição 130      06 de setembro de 2006


Olho no Olho

Legalização das Drogas contra a Violência

Fabíola Ortiz, da AgN Praia Vermelha

imagem olho no olho

A legalização das drogas tem sido tema de discussão bastante recorrente no país. Para não ficar de fora do debate dentro da universidade, a Escola de Comunicação (ECO/UFRJ) em conjunto com a Rede Universidade Nômade realizaram no último dia 28 de agosto, no Campus da Praia Vermelha, o debate “Legalização das Drogas contra a Violência”.

A fim de ampliar a discussão sobre a Lei nº 11.343, sancionada no dia 23 de agosto – a qual proíbe a prisão de qualquer um que for flagrado consumindo drogas – o Olhar Virtual conversou com a juíza de direito Maria Lúcia Karam e o advogado André Barros.

 

 

Maria Lúcia Karam
Juíza de direito aposentada e coordenadora do IBCCrim — Instituto Brasileiro de Ciências Criminais

"A proposta de legalização da produção, da distribuição e do consumo de todas as “drogas” significa um rompimento com o proibicionismo para, através de uma ampla reformulação das Convenções da ONU e das leis dos Estados nacionais que seguem suas diretrizes, afastar a criminalização de condutas relacionadas àquelas atividades e regulá-las de forma racional e respeitosa dos direitos fundamentais de todos os indivíduos.

Legalizar não significa afastar todas as formas de controle, mas apenas afastar a proibição e a intervenção do sistema penal, que, além de não evitarem as condutas proibidas, causam inúmeros danos.

A regulação decorrente da legalização, naturalmente, deverá incluir a edição de leis de natureza não-penal que podem, eventualmente, estabelecer algumas restrições àquelas atividades, da mesma forma que hoje se faz em relação às “drogas” lícitas, como o álcool ou o tabaco.

Ao contrário do que se tem divulgado, a nova Lei 11.343/06 não traz nenhum avanço nesse tema do consumo. Ela mantém a criminalização da posse para uso pessoal das drogas qualificadas de ilícitas, apenas afastando a imposição de pena privativa de liberdade, prevendo, em seu artigo 28, as penas de advertência, prestação de serviços à comunidade, comparecimento a programa ou curso educativo e, em caso de descumprimento, admoestação e multa. Isto, na realidade, não constitui nenhuma mudança significativa, na medida em que, dada a pena máxima de detenção de dois anos prevista na Lei 6.368/76, a indevidamente criminalizada posse para uso pessoal já se enquadrava na definição de infração penal de menor potencial ofensivo.

Assim, mantendo a criminalização da posse para uso pessoal das drogas qualificadas de ilícitas, a nova Lei repete a violação a princípios e normas constantes das declarações universais de direitos e das constituições democráticas, como a própria Constituição Federal brasileira, que asseguram a liberdade individual – o indivíduo pode ser e fazer o que bem quiser, enquanto não atinja concreta, direta e imediatamente direitos de terceiros. A simples posse para uso pessoal das drogas qualificadas de ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que dizem respeito unicamente ao indivíduo, à sua intimidade e às suas opções pessoais, não estando o Estado autorizado a intervir sobre tais condutas, ainda mais através da imposição de uma sanção, qualquer que seja sua natureza ou sua dimensão. Uma lei que repete violações a princípios e normas constantes das declarações universais de direitos e das constituições democráticas jamais poderá ser considerada um avanço."

André Barros
Advogado, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB

“Legalização das drogas significa a regulamentação, de maneira semelhante à que é feita com as chamadas 'drogas lícitas'.

A Lei 11.343 é um avanço, porque enfrenta a questão com menos repressão. É uma medida concreta no sentido da descriminalização e legalização do consumo, compra, venda e produção de drogas. Isso seria o ideal, pois o Estado não pode criminalizar um comportamento que seria, no máximo, uma auto-lesão, mas que não causa nenhum dano a terceiros.

Com relação ao aspecto do aumento da pena para o traficante, a lei não é eficaz no combate ao tráfico. Mas a proibição da prisão para quem cultivar, semear ou plantar pequenas quantidades para uso próprio, é uma medida concreta de redução do tráfico, já que o consumidor que plantar não terá mais que comprar.

Os indivíduos das classes 'privilegiadas' são privilegiados em todos os aspectos, inclusive quando são processados pelo Estado. Mas nesta lei, quando se proíbe a prisão do consumidor, está se beneficiando principalmente o consumidor mais pobre, porque somente ele, de fato, era preso. Quando o consumidor era pobre, o Estado o rotulava como 'criminoso' e quando era de classe média e alta, o Estado alegava que sua família era 'desestruturada' e transformava isso num problema 'psicológico'. Além disso, para o pobre, o risco de prisão, nos casos de reincidência ou de 'internação', pela Vara da Infância e da Juventude, era ainda maior.

A legalização reduziria a violência, já que o combustível dessa engrenagem violenta é a própria criminalização das drogas. Quando se quer, demagogicamente, combater um 'problema', criminaliza-se uma conduta e então, esta conduta, em regra, ao invés de diminuir, aumenta. Aí surge a solução do 'aumento da pena', e a conduta cresce ainda mais. Esta política transformou nossa sociedade num barril de pólvora ou num vulcão prestes a entrar em erupção, já que, no problema central, que é a desigualdade, não se quer mexer.

Na palestra foi dito que o ‘perigo não está na sua comercialização, mas na sua proibição’, na verdade não é uma questão de 'perigo', mas sim, do fato de que a proibição, como todas as formas de repressão, ao invés de diminuir, incita e gera o desejo, conforme esclareceu o filósofo Michel Foucault."

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