• Edição 260
  • 28 de julho de 2009

De Olho na Mídia

Por uma nova comunicação

Vanessa Sol


A 1ª Conferência Nacional de Comunicação, convocada pelo governo no último Fórum Social Mundial, realizado em Belém (PA), está marcada para o dia 1º de dezembro deste ano. A conferência, cujo tema será “Comunicação: meios para a construção de direitos e de cidadania na era digital”, vem sendo reivindicada por entidades civis defensoras do direito à comunicação há quase duas décadas e pretende ser um marco político que apontará novos princípios e diretrizes para o campo da comunicação no país, podendo se transformar em uma nova legislação, tendo em vista que os meios de comunicação no Brasil ainda hoje são regulados pela Lei da Radiodifusão, promulgada em 1962.

De acordo com Marcos Dantas, professor da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), para que aconteça a efetiva construção de direitos na era digital é necessário que esteja incluída na pauta de discussão “uma completa reorganização do sistema brasileiro de comunicação no sentido de estender, a todos os segmentos que tratam de conteúdos, os princípios e direitos da Constituição”.

Um dos pontos importantes para que a reorganização aconteça, segundo o professor, é que o debate não fique focado na radiodifusão tradicional aberta. De acordo com Dantas, a discussão deve abordar também os diferentes meios e canais de produção cultural, o que abrange a TV por assinatura, o celular e a internet, e considerar as características desses novos meios. “Essa deveria ser a grande questão a ser discutida na conferência, porque o fato central, uniformizador desse campo, é que os meios de comunicação são formadores de consciência, instrumentos de agenciamento social, estimuladores de padrão de comportamento, meios de acesso à informação, à cultura e à educação”, ressalta Dantas.

Entre os fatores que motivaram o governo à convocação da conferência, está a mobilização da sociedade nas comissões pró-conferência – movimentos políticos organizados por entes da sociedade civil em prol da democratização do direito ao acesso aos meios de comunicação. No entanto, o caráter democrático da conferência irá depender da continuidade da sociedade em formular propostas durante as conferências municipais e estaduais. Antes de a etapa nacional acontecer, estão sendo realizados encontros de debate em polos municipais e estaduais.

Segundo Marcos Dantas, outro fator que pressionou o governo para a realização da conferência foi “o caos legislativo” em que o país se encontra na área da comunicação e que “vem causando conflitos entre grandes grupos empresariais em diferentes segmentos da área”.

Se por um lado o governo tenta fazer um debate democrático, por outro, os veículos da grande imprensa acabam não contemplando a discussão na mídia. O debate sobre as questões mais profundas da comunicação no país acaba se voltando apenas para a imprensa alternativa. De acordo com Dantas, os meios de comunicação não gostam de se discutir. Mas ele entende “que há uma responsabilidade grande do jornalista de fazer essa discussão, e que acaba não fazendo para evitar conflitos”.

 

Atraso da legislação

O atraso na elaboração de uma nova legislação que regule os meios de comunicação no Brasil se deve, na opinião de Dantas, aos interesses políticos e econômicos que marcaram o país desde a implementação da Lei da Radiodifusão. Com a introdução das novas tecnologias, a partir da década de 1980, começa a haver em diferentes países, como Alemanha, França, Inglaterra, EUA e Japão, mudanças que propiciam a alteração do cenário constituído até aquele momento. Os monopólios de comunicação começam a se desfazer e, paralelamente, há a introdução de novas empresas na área.

No Brasil, na década de 1990, o governo quebrou o monopólio das telecomunicações e reformou o setor. Nesse período, ocorreu a primeira regulamentação para TV a Cabo, com a Lei 8977, de 6 de janeiro de 1995, sem haver, no entanto, qualquer movimento de mudança na lei de 1962, que regula a radiodifusão. “Um dos fatores para não se ter mexido na radiodifusão foi porque o interesse do capital internacional estava mais centrado nas telecomunicações do que na radiodifusão”, destaca o professor, que aponta também outro fator como marca do atraso: “A força política de algumas redes de rádio e televisão do nosso país.”

 Na América Latina, vários países, como Bolívia, Equador, Venezuela e Argentina, já começaram a modificar a estrutura dos sistemas de comunicações, rompendo com alguns padrões. Marcos Dantas afirma que esses países estão mais avançados que o Brasil “por terem um projeto e não apenas um discurso”. O professor destaca ainda que “o poder executivo de esses países apresentarem um projeto de lei significa que eles sabem o que querem ao submeter o projeto ao debate”.

 

O papel da universidade

De acordo com o professor, diante de tantas questões a serem pensadas para a reformulação dos sistemas de comunicação, a universidade poderia se fazer representar de forma mais enfática através de estudos e pesquisas ao “repensar” essa área. “A universidade não está envolvida em interesses econômicos ou profissionais que estão mais diretamente em conflito, por isso pode propor sugestões e soluções. Temos um certo distanciamento para buscar a formulação de soluções mais abrangentes. E também  um espaço de trabalho mais criativo. Acho o papel da universidade importantíssimo nessa hora”, destaca Dantas.

Para o professor, a 1ª Conferência Nacional de Comunicação tem que discutir um novo espectro de comunicação que surge através das novas tecnologias e das novas empresas no atual cenário. Ele acredita que da conferência possa surgir um projeto de lei que estenda aos novos meios de comunicação os princípios do artigo 221 da Constituição Federal, que tratam da radiodifusão e estabelecem a defesa e promoção da cultura nacional. “Temos que discutir qual tipo de comunicação democrática, inclusiva, socialmente justa, plural e diversificada queremos para o país, mas considerando quais são as forças que estão efetivamente manejando esse mundo”, finaliza.

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