• Edição 258
  • 14 de julho de 2009

Entrelinhas

Por um turismo artesanal

Igor de Matos


Atividade econômica fundamental em diversas regiões do país, o turismo apresenta hoje outras facetas além das grandes redes de hotéis. O pesquisador do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social (LTDS) Ivan Bursztyn e os professores Roberto Bartholo e Gruber Sansolo Davis, respectivamente, da Coppe e da Unifesp, lançaram, no último dia 3, o livro Turismo de Base Comunitária: Diversidade de Olhares e Experiências Brasileiras.
A publicação tem distribuição gratuita no site do Instituto Virtual de Turismo (IVT). Para Bartholo, coordenador do Programa de Engenharia de
Produção da Coppe, “Turismo de Base Comunitária tem mais a ver com o artesanato do que com a indústria”.   

Olhar Virtual: O que é o Turismo de Base Comunitária?

Roberto Bartholo: Acho mais fácil começar dizendo o que não é para depois definir o que é. Quando você tem um projeto de produção industrial, o que está na essência é produzir mais do mesmo por unidade de tempo. A indústria produz segundo uma linha de montagem. O critério de produtividade é fazer mais do mesmo em menos tempo. Mas um artesão funciona dessa maneira? Não. Se você for ver o trabalho de um artesão, não é desse jeito que as coisas acontecem.  Pois bem, o turismo é um serviço, não é indústria no sentido de produção de bens materiais. Mas pode funcionar seguindo essa lógica do mais do mesmo por unidade de tempo. Um exemplo são os hotéis. São dispositivos que trabalham usando essa mesma lógica. Uma produção industrial seriada, padronizada. Porém, você também pode ter hotéis que trabalham com a lógica artesanal. Você não irá encontrar outro daquele em outro lugar, porque nem ele está interessado em produzir mais do mesmo. Ele pensa: só tenho dez quartos, só vou atender dez quartos e não tenho a pretensão de atender mais. Turismo de Base Comunitária tem mais a ver com o artesanato do que com a indústria. Mais do que isso, tem muito a ver com o lugar também. As pessoas têm um vínculo de pertencimento com o local. Um exemplo: há uma praia com uma comunidade de pescadores, essa comunidade não tem a pretensão de deixar de ser de pescadores. Porém, ocorre um turismo que reforce essa identidade dela. Esses pescadores definirão o que será oferecido aos turistas sem levar em consideração a lógica do mais do mesmo por unidade de tempo. Isso é Turismo de Base Comunitária.

Olhar Virtual: Quais os benefícios trazidos pelo Turismo de Base Comunitária nos locais em que ele ocorre?

Roberto Bartholo: Sinceramente? Essa pergunta tem que ser feita a essas comunidades. Mas existem algumas experiências já consagradas. A mais estudada foi a da Prainha do Canto Verde, uma experiência de resistência. Não à toa, eu falei de pescadores no início da entrevista. Era uma comunidade de pescadores no litoral do Ceará, um dos lugares onde o turismo guiado pela lógica do mais do mesmo  impactou demais. Esses pescadores se organizaram e reivindicaram participação no turismo, produzindo o turismo que eles achassem pertinente e que não inviabilizasse o fato de serem pescadores.

Olhar Virtual: Como foi a seleção dos textos para o livro?

Roberto Bartholo: Os textos são de alta qualidade. Alguns deles são mais teóricos. Eles vêm de uma base de pesquisadores que já se articulam há algum tempo pelo Instituto Virtual de Turismo, um projeto que eu coordeno e tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro (Faperj). O intuito desse instituto é trabalhar com turismo e desenvolvimento social. É um projeto vinculado ao Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social, da Coppe. O tema “Turismo de Base Comunitária” tem um papel importante nesse contexto. Como articular turismo e desenvolvimento social? Além dos autores ligados à engenharia, pela Coppe, há também pesquisadores da área, claro, do Turismo, da Geografia, das Ciências Sociais. Juntamente com esses textos teóricos, também temos textos mais práticos. Porque, recentemente, o tema do livro virou área de atuação da política pública. O Ministério do Turismo lançou um edital para financiar projetos com esse tema. Enfim, o livro mescla artigos mais acadêmicos com artigos que são mais um observatório desse tipo de turismo.

Olhar Virtual: Qual o objetivo do livro?

Roberto Bartholo: Infelizmente, de um tempo para cá, o meio acadêmico tem escrito para publicar e colocar no currículo. Uma coisa que me agrada muito nesse livro é o fato de ele ser de livre acesso. Ele está na internet, em PDF, disponível para leitura e impressão para todos. Não é mais algo restrito, e sim franqueado.

Olhar Virtual: Essa opção pela gratuidade foi apenas para aumentar o número de leitores?

Roberto Bartholo: Isso tem duas dimensões. Uma é a quantitativa: tornar mais acessível para mais gente. A outra tem a ver com a filosofia da coisa. Eu acredito que quanto mais pudermos produzir conhecimento com essa ideologia do livre acesso, melhor. Isso está relacionado com a contaminação da área de pesquisa por outros interesses, muitas vezes escusos.

Olhar Virtual: Qual é a posição da UFRJ em relação ao tema?

Roberto Bartholo: Olha, vou ser muito franco, a UFRJ tem um grande potencial para atuar nesse sentido, mas está muito atrasada. Outros centros no Brasil se dedicaram muito mais ao tema. Durante muito tempo, o turismo foi visto como assunto de segunda classe. Mas, no mundo atual, cada vez mais os serviços se impõem como a atividade econômica mais importante, inclusive do ponto de vista monetário. Então as prioridades estão sendo revistas e o turismo tem sido visto como uma área cada vez mais importante.