• Edição 253
  • 09 de junho de 2009

Ponto de Vista

Ameaça que vem do norte

Raquel Oliveira – AgN/ CT


Mesmo tendo se comprometido a encerrar seu programa nuclear em 2007, a Coreia do Norte, que vive sob regime ditatorial desde 1948, confirmou no dia 25 de maio que havia realizado mais um teste com bombas atômicas. Além do mistério que cerca o país mais fechado do mundo, o fato traz à tona o medo – existente desde a detonação da bomba em Hiroshima e Nagasaki – de uma guerra nuclear.

A comunidade internacional, em especial os Estados Unidos, reagiu fortemente ao ocorrido. Diplomatas dos cinco países componentes do Conselho de Segurança da ONU e de duas das nações que fazem fronteira com a Coreia do Norte, Japão e Coreia do Sul, já discutiram uma lista de possíveis sanções a serem impostas ao país de Kim Jong-il. Apesar da repercussão que o teste teve, a Coreia do Norte afirmou que tomaria medidas de autodefesa caso a ONU impusesse novas sanções.

Não é a primeira vez que o governo de Pyongyang usa as armas nucleares como ameaça. Essa é, aliás, uma de suas principais estratégias de negociação para driblar o isolamento diplomático no qual está mergulhado.

Para esclarecer as dúvidas sobre a complexa e histórica questão nuclear, o Olhar Virtual conversou com Fernando de Souza Barros, professor emérito da UFRJ e doutor em Física Nuclear pela Universidade de Manchester, na Inglaterra. Confira.

Olhar Virtual: A Coreia do Norte frequentemente pressiona a diplomacia internacional com a questão da bomba atômica. Por que o senhor acha que isso acontece?

Não tem como saber o que se passa na cabeça de um norte-coreano, mas a minha interpretação é que a bomba atômica é muito atraente para os generais de um governo autoritário como o da Coreia do Norte. Há uma questão muito séria que é a vontade de entrar para o grupo fechado das potências que têm a bomba. Aparentemente existe uma atitude de dizer que eles podem fazer estrago. De repente, eles querem negociar, como fizeram há alguns anos (em 2007, a Coreia do Norte concordou em fechar seu principal reator nuclear em troca de combustível).

Olhar Virtual: Mas essa bomba que eles explodiram poderia de fato causar um grande estrago?

Depende. O teste que os norte-coreanos fizeram demonstra que eles podem produzir no máximo dez bombas com o reator nuclear que têm. O que está impressionando é o domínio da tecnologia de mísseis. Estima-se que haja 100 mísseis, que certamente poderiam chegar ao Japão e, talvez, a Israel. Dificilmente chegariam aos EUA, pois teriam de passar pelo oceano Pacífico, o que é complicado, ou então fazer um atalho pelo polo norte.

Temos que ter em mente que a bomba nuclear por si só não é uma arma. O efeito dela depende de circunstâncias militares e atmosféricas. Em Hiroshima e Nagasaki, os americanos otimizaram o poder de destruição da bomba: escolheram a região onde se poderia matar mais gente, calcularam tudo. Quer dizer, quando intencionalmente se quer fazer mal, consegue-se. O problema da bomba atômica é a cabeça que está por trás dela, a estrutura política que a está manejando.

Olhar Virtual: Por quanto tempo os efeitos de uma bomba dessas perdurariam?

É realmente complicado. A desintegração que faz parte da tecnologia nuclear está na natureza. Acontece que na bomba a reação está concentrada. Quando se faz uma bomba atômica, podem-se usar ou não núcleos atômicos pesados, conhecidos como transurânicos, que contaminam muito. Um reator nuclear, que serve para produzir bombas e tem vida útil de 50, 60 anos, depois de descartado tem de ser enterrado, porque ali há radioatividade que vai durar 250 mil anos. Isso é um problema sério e caríssimo, que está sendo negligenciado.

Olhar Virtual: Como se fazem testes nucleares, então?

É necessário um detonador nuclear, que tem uma fonte de nêutrons que pode ser disparada, para dar início a uma reação em cadeia. É preciso muito cuidado com esse equipamento. O que os países desenvolvidos fazem é manter e desenvolver as bombas em laboratório científico, sem explodi-las. Um país subdesenvolvido como a Coreia do Norte não pode arcar com os custos de manutenção de um laboratório assim, por isso faz testes detonando as bombas. De certa forma, a reação das potências é até descabida, pois além de terem feito testes detonando bombas antes de desenvolverem o laboratório, elas ainda fazem testes, só que sem explosões.

Olhar Virtual: O senhor acha que o investimento em armas nucleares é irresponsável?

A única coisa que faz um país se modernizar e ser respeitado na comunidade internacional é o conhecimento: a capacidade industrial e a cultura. Exército, bomba atômica e guerra são coisas do século XVIII. Há uma conotação militar grotesca nisso tudo, nós temos que evoluir. Países que perderam guerras, como Japão e Alemanha, desenvolveram-se muito e estão melhores, inclusive, do que alguns países que venceram.

Hoje em dia, toda a nossa segurança depende de os países que têm a bomba atômica decidirem honrar os acordos internacionais. Eles podem simplesmente rasgá-los. Para mudar as questões políticas que podem levar a guerras nucleares, nós temos que mudar nossa mentalidade. Temos que fazer um verdadeiro processo de reeducação forçada. Será que o mundo é compatível com as nossas limitações?