• Edição 244
  • 07 de abril de 2009

De Olho na Mídia

Mente atormentada

Aline Durães

O personagem Tarso, vivido pelo ator Bruno Gagliasso em Caminho das Índias, tem conquistado um espaço cada vez maior na trama do horário nobre da Rede Globo de Televisão. Isso porque o rapaz começa a manifestar sinais da temida e ainda pouco debatida esquizofrenia e levanta, com isso, importante discussão acerca dessa patologia mental.

A esquizofrenia é um transtorno do funcionamento cerebral de causas multifatoriais caracterizada, principalmente, por alucinações, delírios, alterações de comportamento e pensamento desorganizado. Pesquisas estimam que 1% da população mundial padeça da doença, que possui, entre outros, fatores hereditários. As abordagens não-científicas da patologia, entretanto, ainda são escassas, o que pode contribuir para alimentar o estigma ao redor do tema. Diante disso, é notória a importância da existência de uma novela que aborde o assunto.

O folhetim global, no entanto, comete algumas gafes no que tange ao esclarecimento sobre a esquizofrenia. A primeira delas, segundo Elie Chenieaux, professor do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ, diz respeito à conexão entre a doença de Tarso e a relação dele com a mãe. Durante muitos anos, a Psiquiatria considerou a hipótese de uma mãe superprotetora, chamada de esquizofrenogênica, desempenhar importante papel no desenvolvimento da esquizofrenia do filho. Essa ideia, hoje em dia, é considerada falsa.

— Essa relação é entendida menos como uma causa e mais como uma consequência da doença. O esquizofrênico tende a ser uma pessoa dependente dos outros; ele não consegue se sustentar, é mais frágil e tem dificuldade de lidar com o mundo em geral. Então, ele precisa ser mesmo mais protegido — explica o psiquiatra.

A patologia se manifesta entre os 15 e 25 anos no homem e um pouco mais tarde na mulher. O traço marcante da doença são as alucinações. Elas podem ser visuais, olfativas, táteis e, como no caso do personagem da novela, auditivas. As vozes são reais ao paciente e, quase sempre, desagradáveis, pois o ameaçam e ofendem.

— O que a voz vai dizer é um pensamento do paciente que ele não reconhece como seu. Ou seja, ele projeta em uma fonte externa algo que, na verdade, é interno. Acredita-se que um dos principais problemas da esquizofrenia seja o de distinguir o que é externo do que é interno — ressalta Elie, enfatizando, ainda, que não é comum os esquizofrênicos tentarem provar aos seus familiares suas experiências.

Elie Chenieaux comenta, também, a postura do psiquiatra Castanha, interpretado pelo ator Stênio Garcia, na novela de Glória Perez. Para o professor, o médico deve sim dar um tratamento “mais humano e livre de qualquer preconceito” aos pacientes, mas precisa primar pela postura profissional. Elie destaca, ainda, que os esquizofrênicos não devem permanecer internados e longe do convívio social durante toda a vida:

— No período de surtos, a internação é necessária, mas ela deve ser de curta duração, poucas semanas; torna melhor até a administração dos remédios, pois fica fácil controlar o paciente. Depois, ele deve ser reinserido, realizando o tratamento em laboratório ou em algum hospital-dia.

Para Elie Chenieaux, a televisão pode servir como mecanismo de divulgação científica, mas é necessária prudência na hora de expor como lidar com a esquizofrenia. “A novela deve mostrar que a esquizofrenia é uma doença grave, sem cura. Precisa evidenciar que não devemos ter preconceito em relação ao paciente e que o papel do médico é fundamental. Não pode, entretanto, passar a ilusão de que a vida do doente pode voltar ao normal. Sempre haverá sequelas, mas é claro que os sintomas e as crises podem ser controlados”, explica Elie.