• Edição 229
  • 11 de novembro de 2008

De Olho na Mídia

Uma paixão nacional

 

Raquel Gonzalez

imagem ponto de vista

"Quem matou Odete Roitman?", no folhetim Vale Tudo (1988) ou, mais recentemente, “Flora ou Donatella: quem é a vilã?”, na novela global A favorita, são exemplos de como a teledramaturgia brasileira agita o imaginário de milhões de pessoas em nosso país. A novela tornou-se, definitivamente, o produto mais consumido das telinhas nacionais. Basta conferir os números: Senhora do Destino alcançou 50 pontos, em média, no IBOPE – significou 45 milhões de telespectadores, 80% da audiência total sintonizada e a vitória no ranking das novelas mais assistidas. “A novela brasileira é um dos nossos produtos mais bem sucedidos, em termos de qualidade dramatúrgica e técnica”, analisa Miriam Goldenberg, antropóloga e professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS).

Em cerca de 60 anos de história, a telenovela tornou-se um fenômeno de audiência e repercussão no país. Considerado alienante nos tempos da Ditadura Militar por tirar a política do foco popular, o gênero transfigurou-se e hoje reflete as mudanças da sociedade nacional. “A novela tornou-se mais brasileira, mais próxima das questões sociais que atingem as diferentes classes sociais, passou a ser um lugar de debate dos problemas de gênero, raça, idade, sexualidade, família e, também, um lugar para denunciar questões como corrupção, maus políticos, ganância”, observa Miriam.

A telenovela foi tema do ciclo de palestras “Eu vejo novela e não me envergonho disso”, promovido pelo Centro Cultural Banco do Brasil e que buscou refletir questões no âmbito da teledramaturgia brasileira, como estrutura narrativa e definição de seus papéis sociais, por exemplo. O evento reuniu conhecidos autores nacionais, como Manoel Carlos e Gilberto Braga, além de pesquisadores como Miriam Goldenberg e Heloísa Buarque de Holanda, professora da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. O título escolhido para o ciclo de palestras brinca com um possível preconceito existente em relação à telenovela brasileira. Heloísa Buarque não acredita, contudo, que exista discriminação em relação à novela já que a mesma é assistida por pessoas de diferentes classes e gêneros e o grande ibope atribuído ao gênero é uma prova disso. “Isso mudou em demasiado. Especialmente após o enorme sucesso de ‘Guerra dos Sexos’, de Sílvio Abreu, com Fernanda Montenegro e Paulo Autran. Quando atores consagrados passaram a fazer novela, o preconceito diminuiu muito. Acredito que o preconceito hoje é contra programas como BBB e não mais contra boas novelas”, ratifica Miriam Goldenberg.

Assistir à novela tornou-se um hábito praticado por milhões de brasileiros e esse momento de sinergia – em que uma comunidade enorme reúne-se para tal fim – pode ser entendido como “um importante compartilhamento nacional de uma experiência cultural”, esclarece Heloísa. Mesmo assim, o que seria tão fascinante na teledramaturgia para atingir tamanho espectro social? A pesquisadora da ECO explica que a novela é a fórmula moderna do folhetim e do melodrama grego e, dessa forma, possui elementos básicos que tocam o imaginário popular.

Os enredos desenvolvidos nas novelas são freqüentemente questionados acerca de sua originalidade. Não é difícil encontrar críticas relativas a repetições nesse gênero televisivo. Heloísa Buarque afirma, entretanto, que a novela, por si só, é um clichê já que é uma forma fixa de folhetim que é todo clichê. “A novela é uma forma que trabalha clichês. Se houver inovações, será outro tipo de dramaturgia que não o da novela”, esclarece. E Miriam Goldenberg corrobora afirmando que a própria realidade já é cheia de clichês, “não há muito a ser inventado, pois as possibilidades de comportamento e de sentimentos são limitadas”.

Vale ressaltar ainda a importância que a teledramaturgia nacional adquiriu entre os bens de exportação brasileiros. A escrava Isaura, de 1976, fez tamanho sucesso no exterior que foi transmitida a mais de 80 países – entre eles China e até Albânia, por exemplo – e tornou-se uma das novelas mais comercializadas do país. A mencionada Vale tudo também fez grande sucesso e influenciou, por exemplo, o nome de uma rede de restaurantes em Cuba: “Paladares”, numa alusão ao restaurante da personagem Raquel, interpretada por Regina Duarte. “Nós criamos um modelo de fazer novela que tem sucesso no mundo inteiro: atores maravilhosos, histórias muito bem construídas, diretores excelentes, além do investimento na qualidade da imagem e dos cenários”, explica a antropóloga.

– A novela atinge, hoje, todas as classes sociais, homens e mulheres, jovens e velhos de diferentes regiões do país. Tornou-se um veículo democrático, algo que pode ser consumido por todo e qualquer brasileiro –, conclui Goldenberg, ressaltando que a novela é parte fundamental da cultura brasileira ao criar e reproduzir comportamentos, valores, corpos e tendências.