• Edição 225
  • 14 de outubro de 2008

Ponto de Vista

Ser idoso no Brasil é difícil?

Vanessa Sol

imagem ponto de vistaA expectativa de vida dos brasileiros tem aumentado nos últimos anos, segundo dados do IBGE. A média para ambos os sexos subiu 3,4% na última década passando para 72,3 anos de idade. Em contrapartida, observa-se um declínio da taxa de fecundidade da população brasileira. A média de filhos por casal, recentemente divulgada pelo IBGE, é de 1,9. No futuro, a soma destes dois fatores (a desaceleração do crescimento da população e o aumento da expectativa de vida) acarretará o envelhecimento da população brasileira.

O fenômeno da elevação da expectativa de vida não é só brasileiro, é mundial. Hoje, muitos países convivem com idosos de diversas gerações. A Organização das Nações Unidas (ONU) divide os idosos em três categorias: os pré-idosos (entre 55 e 64 anos); os idosos jovens (entre 65 e 79 anos ou entre 60 e 69 para quem vive na Ásia e na região do Pacífico); e os idosos de idade avançada (com mais de 75 ou 80 anos).

No Brasil, esse grupo de pessoas possui necessidades variadas e exige, por isso, políticas públicas diferentes, mesmo assim, pouco se investe nessa área. Uma das conquistas foi o Estatuto do Idoso, aprovado em setembro de 2003 e sancionado pelo presidente da República no mês seguinte, que amplia os direitos dos cidadãos a partir dos 60 anos. O estatuto institui penas severas para quem desrespeitar ou abandonar cidadãos da terceira idade.

Para aprofundar a discussão sobre como o idoso é visto e tratado pela sociedade, suas principais necessidades e as políticas públicas já pensadas ou aplicadas para melhorar suas condições de vida – dos idosos –, o Olhar Virtual entrevistou o coordenador do Setor de Geriatria do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) e professor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Carlos Paixão.

Olhar Virtual: O número de idosos tem aumentado substancialmente em função da elevação da expectativa de vida mundial. Hoje, muitos países possuem idosos com necessidades variadas, passando a exigir, assim, políticas assistenciais diferentes. No caso do Brasil, o que tem sido feito em termos de políticas públicas para os idosos?

Efetivamente pouco. Apesar de leis e o estatuto do idoso, recentemente aprovados, as políticas para estimular uma maior participação social dos indivíduos idosos estão quase restritas a pequenas ações como passe livre em ônibus e descontos para cinemas teatros ou filas especiais. Os idosos mais frágeis são pouco contemplados, apesar do suporte legal para sua proteção. Na UFRJ, por exemplo, não há uma opção clara e positiva das faculdades em criar cadeiras que contemplem a formação e treinamento de profissionais voltados para esta população. A Faculdade de Medicina, apesar das políticas públicas do Ministério da Educação que pretendem incentivar os cursos de Graduação e Pós- graduação em geriatria e envelhecimento, até hoje não se debruçou, de fato, sobre esta questão.

Olhar Virtual: As desigualdades econômicas e sociais entre os países industrializados e em desenvolvimento, bem como o desnível social de cada nação, influem diretamente nas condições de saúde da população idosa?

Certamente, mas isto se relaciona a qualquer outra faixa populacional.

Olhar Virtual: Quais são as doenças que mais acometem os idosos e o que a medicina preventiva tem feito para minimizar esses problemas?

Doenças cardíacas e cerebrovasculares, câncer, doenças respiratórias, demências, infecções do trato respiratório e urinário, doenças osteoarticulares. Um fator de prevenção comum a todas elas é a prática de exercício físico regular. Alimentação farta, à base de fibras e pouco gordurosa é outro fator importante. Evitar o tabagismo e o excesso de álcool são fatores também de relevância. Finalmente, o bom acompanhamento médico, com regularidade e alguns exames periódicos.

Olhar Virtual: A solidão é um fator determinante para os casos de depressão em idosos?

Não é o único, mas certamente influencia casos de depressão.

Olhar Virtual: Quem sofre mais com a senilidade, homens ou mulheres?

Para mim, esta expressão, embora muito utilizada, não significa nada além de preconceito. Se você pretende que discutamos sobre demências e perda cognitiva, depende da doença mas, em geral, as mulheres são mais afetadas. Se pretende dizer apenas envelhecimento e doenças crônicas associadas, também as mulheres são mais expostas. Vivem mais, porém, com mais doenças crônicas.

Olhar Virtual: Nos países do Oriente, os idosos são muito respeitados e são símbolo de sabedoria. No Ocidente, isso não acontece e os idosos são discriminados. Por quê? Qual é a importância dos idosos para a sociedade e para o desenvolvimento de um país?

É a questão de uma sociedade que preza a produtividade, a utilidade e o ganho material. Tudo isto influencia o gosto pelo que é jovem, vigoroso, fisicamente mais capaz.

Independe da importância, não creio que estejamos neste planeta por uma questão de propósito, objetivo, utilidade. Qual a importância de uma lesma para a sociedade e desenvolvimento de um planeta? De uma alga? Uma pedra? Ora, se esta pergunta perde o sentido para qualquer componente de nosso planeta (supondo uma visão do todo), cabe a nós cuidar para que nosso ambiente se mantenha o mais saudável possível. A importância de um idoso é a mesma de um jovem ou de uma criança. Valorizamos todos ou, com a desculpa que uns são mais importantes que outros, preferimos alguém, dirigimos os recursos materiais e intelectuais para o que mais interessa a quem está no poder, no momento. As prioridades devem ser, entretanto, para quem mais necessita, os mais frágeis. Os grandes gênios, intelectuais, industriais e mandatários estão aí porque outros mais velhos se interessaram por eles, de alguma forma. Somos o que as gerações anteriores deixaram para nós. Nossos filhos viverão a partir do que deixarmos para eles.

Olhar Virtual: O que é necessário para um envelhecimento saudável?

Uma vida saudável, desde o nascimento. Pensar no envelhecimento apenas quando ele está à porta de nossa casa é ser irresponsável com seu futuro. Exercício físico, atividade intelectual e social, rede de amizades, alimentação variada e saudável, evitar substâncias nocivas como tabagismo, drogas ilícitas, excesso de álcool, manter tempo para descanso e lazer. Enfim, pensar em nós como seres frágeis, com necessidades além das aquisições materiais, além da busca de poder e posição. Tudo isto tem importância, mas relativa. Demos tempo a tudo e tudo nos será possível, por mais tempo.