• Edição 225
  • 14 de outubro de 2008

De Olho na Mídia

Recriando o universo

Priscilla Prestes – AgN/CT

imagem ponto de vista

O projeto iniciado há mais de 20 anos, só agora ganhou destaque midiático. Fala-se muito do superacelerador de partículas – o LHC, em inglês, grande colisor de hádrons – aparelho construído para aprofundar o conhecimento humano sobre a estrutura da matéria, capaz de recriar, em laboratório, as condições supostamente existentes imediatamente após o Big Bang, a grande explosão que deu origem ao universo.

No último dia 10 de setembro, o LHC entrou em operação. Ocupando uma circunferência de 27 km, estima-se que sua construção ultrapasse US$ 3 bilhões.

Localizado no Cern, maior laboratório europeu de Física de Altas Energias, situado na fronteira entre a Suíça e França, o acelerador ocupa áreas subterrâneas. Construído em colaboração internacional, por representantes de todos os continentes, o equipamento pode ser o maior experimento de física deste século.

O LHC possui metas ambiciosas: além de aprofundar o conhecimento sobre a estrutura da matéria, ele viabiliza a comprovação empírica de existência do bóson de Higgs, uma partícula intermediária para que as demais ganhassem massa – ele pode explicar porque partículas diferentes têm valores de massa distintos.

Além disso, promete evidenciar alguns modelos teóricos, entre eles, as partículas supersimétricas, as dimensões além das três que conhecemos e como evoluiu o cosmos.

Embora o projeto LHC tenha 20 anos, a mídia não lhe atribuiu muita atenção durante o desenvolvimento, só agora destacou a cobertura. A excitação é grande, não só nacional como internacionalmente: cerca de 300 jornalistas do mundo todo cobriram a injeção de partículas no LHC, no último dia 10 de setembro. O professor José Manoel de Seixas do Programa de Engenharia Elétrica (Coppe) atribuiu ao nível de energia que o LHC pode alcançar a importância deste aparelho na Física moderna. “Modelos complexos ainda não comprovados experimentalmente, mas bastante respeitados na área de física de alta energia, podem ser observados pela primeira vez com a ativação do LHC”, afirmou.

O professor destacou que o LHC também significa um importante passo da comunidade científica internacional em termos de colaborações, já que, somente o Atlas, um dos detectores do LHC do qual há 20 anos a UFRJ participa, reúne 37 países e cerca de 3 mil pesquisadores. Participam desse experimento a indústria e um bom número de instituições nacionais de renome do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.

Segundo Seixas, o Brasil participa dos quatro detectores do LHC. A equipe é uma das responsáveis pelo calorímetro – medidor de energia – Tilecal e pelo sistema de filtragem online do Atlas.

O pesquisador defende que essa atividade é bastante intensa. Sua efetuação reúne alunos desde o ensino médio (Cap-UFRJ), ensino tecnológico (Cefet), passando por alunos de Graduação (Poli) e Pós-graduação (Coppe) ao Pós-doutorado – no Cern, em Brookhaven (NY), Winsconsin, entre outros – ou seja, engloba ampla formação de professores e pesquisadores destas diferentes áreas: Física, Engenharia e Informática.

A UFRJ desenvolveu o projeto de um circuito somador – responsável pela adição de células de energia – de alto desempenho. A indústria brasileira produziu a placa de circuito impresso, montou e testou os mais de 2.500 somadores hoje instalados no Cern. “Inclusive, toda a parte de testes de tolerância à radiação foi feita no Brasil, certificada pelo Cern, numa colaboração entre a indústria e os institutos que têm experiência com irradiação, entre ele, o IEN, IRD e o IEAv da Aeronáutica”, explicitou professor.

– Devido ao trabalho desenvolvido, não só temos apoio das agências de fomento nacionais como temos trabalhado com recursos provenientes da União Européia e do próprio Cern – afirmou Seixas.

Cobertura midiática

O acelerador de partículas e seus efeitos não são fáceis de serem percebidos, por serem de certa complexidade, pelos diferentes conhecimentos que englobam e pela ambição da própria experiência. A curiosidade sobre essa novidade acaba gerando o sentimento de perplexidade.

Por outro lado, quando surgem teorias que atribuem ao LHC a destruição do mundo, como a hipótese de o aparelho poder gerar buracos negros, não é difícil esbarrar em um estado de paranóia e divisão de opinião pública.

Um tipo exótico de partículas, as chamadas “strangelets” poderiam ser produzidas através das experiências do LHC. Se um “strangelet” conseguisse tocar o núcleo de um átomo convencional, o átomo seria convertido em outro “strangelet”. Alguns cientistas defendem que se essas interagissem com o material normal da Terra, seria iniciada uma reação de cadeia que consumiria o planeta inteiro.

Há unanimidade na comunidade científica internacional em Física de Partículas de que não existem estes riscos. “Cálculos foram feitos e repetidos para confirmar que o LHC é seguro”, afirma Seixas.

Correntes mais otimistas ditam que esses possíveis buracos negros são microscópicos. Uma vez criados, seriam, quase imediatamente, destruídos e espalhariam diversas partículas com padrões muito peculiares. Segundo essa ótica, a imagem do buraco negro faminto, devorando impiedosamente tudo ao seu redor, se aplica apenas aos buracos negros astrofísicos, não a buracos negros microscópicos.

De acordo com o professor, esse fluxo de pensamentos deve-se à grandiosidade dessa experiência científica, que “produzirá um forte impacto no nosso conhecimento”. Segundo ele, há todo um aparato de segurança preparado para reagir em caso de problema, salvaguardando o aparelho e o pessoal envolvido. “A própria UFRJ, por exemplo, desenvolve um sistema de rastreamento de material radioativo, com acesso à informação e monitoração via web”, disse.

Segundo o professor, o problema apresentado pelo LHC no dia 20 de setembro, é um fato comum quando se inicia a operação de um novo colisionador, no qual o Cern tem enorme experiência.

– É possível que tenha ocorrido um problema elétrico e o resultado disso foi um grande vazamento de hélio. Com isto, foi necessário parar os trabalhos, pois os ímãs tiveram que ser retornados a uma temperatura acima do resfriamento, o que atrasou por pelo menos 2 meses a sintonia do feixe – explicou.

O Cern decidiu que só voltará a operar os testes no ano que vem, o acelerador já teria mesmo que interromper a operação devido ao aumento no consumo de energia pelos cidadãos, nesta época do ano, durante o frio inverno em Genebra. O LHC voltará a ser operado somente na primavera européia.