• Edição 222
  • 23 de setembro de 2008

Entrelinhas

Juventude, Desafiliação e Violência

Raquel Gonzalez

capa do livro

Mais uma publicação marca o esforço de pesquisadores da UFRJ em fomentar a discussão acerca da juventude brasileira. O livro Juventude, Desafiliação e Violência, ao pretender subsidiar a formação de profissionais para o trabalho no campo da juventude desafiliada, contribui para a superação do quadro de violência que hoje se enfrenta no Brasil.

De acordo com as organizadoras, Ligia Costa Leite, Maria Esther Delgado Leite e Adriana Pedreira Botelho, apesar de haver grande demanda para esse tipo de literatura, a oferta de bibliografia a respeito do tema é pequena. “Acredito que o livro possui um público ávido por essas informações”, enfatiza Ligia Costa Leite.

O estudo, dividido em três partes, reúne artigos que abordam questões referentes às políticas sociais existentes, aos aspectos teóricos e históricos da Psiquiatria, e ainda aos aspectos clínicos dos trabalhos desenvolvidos com jovens desafiliados. A maior parte dos autores são pesquisadores do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), mas há também contribuições de profissionais renomados em sua área, como o juiz titular da 1ª Vara da Infância e Juventude do Rio de janeiro, Siro Darlan, que fala sobre a redução da maioridade penal. O livro conta ainda com um belíssimo prefácio de João Ferreira da Silva Filho, professor titular da Faculdade de Medicina da UFRJ, falecido no último 24 de maio.

Em entrevista ao Olhar Virtual, Ligia Costa Leite contou detalhes do livro e explicou a questão da juventude desafiliada, abordada nas pesquisas e no livro.

Olhar Virtual: A que se propõe o estudo esboçado no livro Juventude, Desafiliação e Violência? Qual sua importância?

As instituições de Ensino e Pesquisa concentram suas atividades nos problemas dos adultos, num país com cerca de 40% da população abaixo dos 18 anos. Há carência de literatura sobre adolescentes fora do padrão e que ninguém quer olhar. Acredito que o livro possui um público ávido por essas informações. O livro dialoga também com a necessidade de construção de novas teorias e formas de entendimento adequados à nossa realidade.

A importância social do presente livro é oferecer subsídios para intervenções que atuem na causa desses problemas – descaminhos sociais – e não apenas em seus efeitos.

Olhar Virtual: Como o livro está estruturado?

Os textos estão divididos em três partes apenas para efeito de organização, uma vez que seus conteúdos se entrelaçam. Na primeira parte, abordam-se as políticas sociais, com discussões sobre as leis que fundam a prática das ações do Estado, e análises das propostas existentes para assistir e educar essas crianças e jovens. Na segunda, trata-se dos aspectos históricos e teóricos, sem separá-los do exame de ações concretas. Na terceira, por sua vez, reúnem-se narrativas clínicas que levantam aspectos importantes do trabalho com jovens em conflito com a lei ou adolescentes em situação de vulnerabilidade social.

Olhar Virtual: Como se caracteriza a juventude desafiliada?

São jovens que, em razão de pobreza, orfandade ou dificuldade de convívio familiar e comunitário, vão para as ruas, são acolhidos pela rede de abrigos, mas não conseguem se reafiliar na estrutura social após a maioridade legal.

Trata-se dos que se encontram desassistidos pelo Estado e desafiliados socialmente, categoria introduzida por Robert Castel (1995) para definir aqueles que, além de viverem em insuficiência financeira, têm laços sociais muito frágeis.

Olhar Virtual: O que motiva esses jovens a se marginalizarem socialmente?

Atritos familiares, como conflitos existentes entre parceiro(a) da mãe ou pai; violência na comunidade, através do tráfico ou milícia; além das condições inadequadas de vida, como miséria e insalubridade nos locais de moradia.

Olhar Virtual: De acordo com estudos desenvolvidos em sua pesquisa Evasão escolar, drogas, criminalidade: os descaminhos na adolescência e suas articulações com questões do sujeito, a juventude desafiliada busca nas ruas a saúde mental. Como se chegou a essa conclusão?

O adolescente que vai para as ruas está, muitas vezes, fugindo de dados reais de sua vida como: condições de moradia precárias, insalubridade, violência doméstica, fome, ou seja, ele procura escapar dos fatores ambientais e psíquicos que estão lhe causando danos físicos e psicológicos, mesmo que isso não lhe seja consciente. E, para isso, identificou-se característica comum ao grupo: criatividade – para fugir de algumas situações, por exemplo – transgressão identificatória e liberdade como conquista.

Olhar Virtual: Como o menino de rua é visto pela opinião pública?

Nas pesquisas realizadas em meu doutorado na Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), tratei justamente dessa questão: a percepção não somente da opinião pública, mas também de teóricos da sociedade, que recomendavam a internação desses em instituições fechadas para correção de condutas, como se pode constatar ao longo das políticas públicas formuladas desde o Império.

Em meu livro “A Razão dos Invencíveis” (1998), a partir da análise de jornais e documentos diversos, concluí que o menino de rua é caracterizado pela opinião pública através do mito da negatividade, da sujeira, da lascívia, da preguiça, da ociosidade, da delinqüência, mas também do abandono, da solidão, da tristeza, da pobreza e da vitimização.

Olhar Virtual: Como seria uma nova forma de atuação na questão da juventude desafiliada - na causa e não no efeito – como é proposto no livro?

Seria investir em creches comunitárias, trabalhos de Saúde Mental das famílias, priorizar a educação, ou seja, dar suporte às famílias. E não investir cada vez mais em abrigos, presídios e órgãos quaisquer de assistencialismo ao jovem já desafiliado.

Olhar Virtual: Há artigos no livro que tratam a questão da redução da maioridade penal, como Menoridade penal: Prós e Contras na Lei, de Siro Darlan. Qual sua opinião acerca disso?

Eu sou radicalmente contra. Essa atitude só irá aumentar o número de presídios. O governo deve investir em Educação já que o benefício social será imensamente maior, além do custo de um presidiário ser bem maior do que o de um estudante, por exemplo. É necessário também que se compreenda que a agressividade encontrada nesses jovens é uma forma de sobrevivência, de responder à violência que eles vivem.