• Edição 211
  • 08 de julho de 2008

De Olho na Mídia

Inflação: sem motivos para alarde

Sofia Moutinho – AgN/Praia Vermelha

imagem ponto de vista

Desde que o Banco Central ajustou, no mês passado, para 6% a projeção do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) deste ano, ultrapassando a meta oficial de 4,6%, a inflação tem sido alvo de acaloradas discussões entre aqueles que a vêem como motivo para alarde e aqueles que a vêem como um mal menor. Semana passada, o ministro da Fazenda Guido Mantega declarou, em audiência pública na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara, que há “alarmismo” em torno do tema da inflação brasileira, principalmente por parte da imprensa que noticia de forma exagerada o aumento de preços. Já o presidente Lula afirmou, em discurso no lançamento do Plano Safra Agricultura Familiar para o aumento da produção de alimentos, que não há motivo para “se perder meia hora de sono com a inflação”.

—A inflação está crescente, mas está crescente no mundo inteiro — disse João Sicsu, diretor de estudos macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor do Instituto de Economia (IE/UFRJ).

Segundo o economista, a causa da crise mundial não é o excesso de demanda, mas a elevação dos preços dos alimentos e do petróleo. No Brasil, porém, a inflação cai somente sobre os alimentos. “A Petrobras reduziu o imposto sobre a comercialização dos combustíveis e fez com que fosse neutralizado o efeito da elevação internacional do petróleo no Brasil”.

Hoje, a inflação brasileira dos alimentos está em torno de 14 e 15% acumulados em 12 meses, enquanto que a dos demais itens está entre 13 e 13,5%. Este tipo de inflação é preocupante porque atinge mais a parcela pobre da população. “Quem ganha em torno de 10 salários mínimos gasta entre 20% da sua renda com alimentos. Quem ganha um salário mínimo gasta em tono de 50% de seu orçamento com alimentos”, informou Sicsu que ainda assim acredita que o Brasil vive uma situação de crescimento: “a inflação não é causada pelo crescimento, é uma inflação internacional, mesmo os países que vão ter baixo crescimento vão ter inflação, como os Estados Unidos, por exemplo”.

Renomados jornais internacionais noticiam o espantoso crescimento dos países em desenvolvimento que formam o chamado BRIC (Brasil-Rússia-índia-China). Em matéria publicada no dia 5 de junho, o colunista Roger Cohen do The New York Times comparou o Brasil da hiperinflação dos anos 80 com o atual que tem sua “moeda crescente e alcançando o dólar”. Segundo o colunista, o Brasil saiu da dependência de importações para a auto-suficiência, enquanto os EUA continuam dependentes da importação do petróleo e sofrendo com a inflação.

O aumento da inflação traz lembranças da época anterior à implantação do real, quando o aumento de preços era descontrolado e o caos era total. Contudo, segundo Sicsu, não há nenhuma possibilidade desse quadro retornar. “Existe disseminada na sociedade brasileira uma cultura anti-inflacionária muito forte. Não há mais condições institucionais nem sociais para aceitar a inflação e não existe institucionalidade que a favoreça, como a indexação de contrato que era a principal institucionalidade que fazia com que a inflação fosse alta antes do Plano Real”.

Para Sicsu, a inflação atual não é motivo para alarde. O governo tomou medidas corretas pra tentar conter este tipo específico de inflação. O professor destaca que o combate deve ser feito através aumento da oferta de alimentos: “Não é fazendo as pessoas comerem menos que a inflação vai acabar, mas fazendo elas comerem mais”. Um exemplo recente de medida tomada pelo governo foi a liberação de R$13 bilhões para o plano Safra da Agricultura Familiar, além das linhas de crédito que estão sendo lançadas, como a Pronaf Agro-florestal e Pronaf Energias Renováveis, ambas ainda em processo de criação.

Em meio às discussões sobre o aumento da inflação surgiu a notícia de que o Ipea não vai mais divulgar as estimativas trimestrais do aumento dos preços, o que causou ainda mais agitação na mídia. O Ipea, muito criticado pelos órgãos de imprensa, se defendeu alegando que não quer alimentar as expectativas do mercado.

— Todos os dados que trabalhamos são dados públicos; nós decidimos mudar, na verdade, a metodologia de apresentação. Agora, apresentamos no início do ano as previsões para o meio do ano. Mais importante do que uma nova previsão que faríamos, por ventura, ao longo do ano, seria a explicação do porquê de termos errado. Na verdade esta é a grande contribuição que queremos dar sobre previsões econômicas - comenta Sicsu.

O economista afirmou que não há por parte do Ipea o interesse em fazer revisões de estimativas e completou: “As previsões não orientam nossas decisões; nós não fazemos política econômica e não atuamos em qualquer mercado a curto prazo, a nossa atividade é fazer pesquisa. Eu acho que existe um certo alarmismo por parte da mídia. Não porque aponta que a inflação está ocorrendo e que ela é preocupante, mas sim porque não indica exatamente a causa da inflação. O que é dito na mídia é que é uma inflação de demanda e que essa demanda excessiva é causada por um excesso de gastos do governo federal, apesar de o governo federal estar gastando menos do que gastou nos anos anteriores” disse Sicsu.

Para ele, o motivo de preocupação não deveria ser tanto a inflação dos alimentos, mas justamente esta redução de gastos do governo que pode prejudicar áreas básicas como Educação e Saúde. “O problema não é que o governo está gastando demais, é que está gastando de menos”.