• Edição 177
  • 25 de setembro de 2007

Olho no Olho

Bah! Nossa cultura é arretada!

Julia Vieira

imagem olho no olho

A pluralidade de costumes do Brasil se deve a várias questões complexas mas, sobretudo, ao tamanho do território e à grande dificuldade que existiu de se unificar o país geográfica e culturalmente. Cada região foi sofrendo diferentes influências e construindo sua própria identidade. Foram se dissolvendo as diferenças internas e se reafirmando os pontos singulares de uns e de outros, formando uma identidade própria para cada região do Brasil. Somos todos brasileiros, mas até que ponto somos culturalmente semelhantes?

Para compreender as grandes diferenças culturais existentes dentro de um mesmo território nacional, o Olhar Virtual conversou com Ronaldo Lima Lins, diretor da Faculdade de Letras e Antônio dos Santos, oficial da Aeronáutica que viveu na pele experiências culturais variadas sem precisar mudar de país.

Ronaldo Lima Lins
diretor da Faculdade de Letras.

“A manutenção da forte tradição cultural em alguns estados do Brasil vem como fruto de grandes esforços localizados dos governos regionais. Nas áreas em que as tradições se mantiveram, os governos investiram para que a cultura local não caísse no esquecimento, não fosse suprimida por influências externas. A sustentação de padrões regionais de costumes impede que os padrões locais se percam e sejam englobados por outras influências, outros autores, estilos musicais e padrões de áreas completamente diferentes.

Essa manutenção cultural se dá, na maior parte dos casos, em cidades de interior, quando, por outro lado, é difícil se manter ativa nos grandes centros urbanos. O Rio de Janeiro ao contrário do Rio Grande do Sul, por exemplo, não mantém padrões culturais cultivados tradicionalmente na cidade. Isso se deve ao fato de o Rio ser um grande centro, já tendo sido inclusive, capital nacional. Todas as tendências culturais e tradições encontram tom e absorção no Rio de Janeiro, que pode ser citado como um grande centro cosmopolita.

A manutenção dos costumes  regionais é importante pois defende não apenas um padrão cultural local, como também um modo de reflexão dos habitantes da área. Érico Veríssimo é, no Rio Grande do Sul, um grande ídolo, uma figura muito importante, da qual o povo tem orgulho de ser conterrâneo. Sua casa foi transformada em museu e recebe inúmeras visitas anuais, assim como outras figuras ao redor do país, como Santos Dumont, cuja casa, em Cabangu (MG), tornou-se atração turística.

É crescente o processo de circulação e difusão cultural em todo o mundo e essa resistência de alguns estados do país colabora para a defesa dos traços característicos do Brasil. As iniciativas estatais contribuem para que manifestações culturais se expandam, afirmem e ultrapassem fronteiras.

O Ministério da Cultura não tem investido nos padrões culturais brasileiros, não possibilitando o fortalecimento dessas manifestações. A efervescência de expressões culturais locais defende como um todo a cultura, seja ela nacional ou regional. Estamos em um momento de cultura órfã. Ela é forte por si só.”

Antônio dos Santos
oficial da Força Aérea Brasileira

“Bah, guri! Larga de ser boca aberta!” Essa foi uma das primeiras conversas que presenciei ao ser transferido para o Rio Grande do Sul e foi alarmante perceber as diferenças lingüísticas que eu enfrentaria daquele momento em diante. Nunca pensei que pudesse ser tão complicado compreender que alguém reclamava da falta de esperteza do outro. O vocabulário não seria meu único desafio; eu precisaria me habituar também aos costumes do povo gaúcho, bastante diferentes dos estilos de vida carioca e paulista, aos quais eu já estava adaptado.

“Preparar chimarrão e fazer churrascos; entender os fanatismos futebolísticos, proibidores a qualquer gremista que se preze o uso de roupas vermelhas; admirar a beleza das danças típicas das prendas e dos guris de bombacha; e freqüentar as famosas festas de celebração da cultura gaúcha nos Centros de Tradições (CTG). Só quem vive no Rio Grande do Sul consegue entender o amor daquele povo pelo seu estado, pela sua cultura, pela sua bandeira. O forte apego por suas tradições culturais. Por mais que o mundo se modernize, mantêm-se as tradições incorporadas séculos atrás à cultura gaúcha. Por mais que a moda hoje seja ser a “mais arrumadinha” do colégio, as gurias, com suas vestimentas típicas, ainda desejam ser a prenda mais bonita da festa.

Devido às transferências pelas quais todo militar passa durante os anos de carreira ativa, vivi ainda em outros lugares do país, Minas Gerais e Manaus. Mais uma vez, estive perdido em meio a pessoas e costumes que não faziam parte do meu cotidiano, precisei me readaptar a um novo Brasil, descoberto a cada dia.

Viajando entre os extremos do país, saí das festas tradicionais gaúchas e fui parar nas festas do Boi Garantido e Caprichoso da região Norte do Brasil. Apesar de todo o preconceito que sofrem em outros estados, as festas são riquíssimas expressões culturais desse povo, explicam muito bem as condições pelas quais essas pessoas passaram e ajuda a entender a atual conjuntura em que vivem. Aprendi um pouco mais da cultura indígena, que apesar de ser uma das grandes raízes do país é refutada por grande parte da população e acaba caindo no esquecimento.

Aos poucos incorporei traços de cada uma dessas culturas à minha vida. Hoje, afastado dos pampas, não faço mais churrascos todos os domingos, nem ‘mateio’ nos finais de tarde, mas confesso que o chimarrão ainda não foi cortado da minha rotina. Também fora da Cidade Maravilhosa não existe mais o prazer de passear pelas praias admirando a paisagem, mas me pego encantado com passeios de barcos e com o encontro das águas na Amazônia.

Depois de ter vivenciado tantas variações culturais dentro de meu país, não me sinto mais apenas carioca. Sinto-me brasileiro acima de tudo. Durante todos esses anos de viagens passei a conhecer melhor a cultura de meu povo e não apenas de um grupo específico. Acredito que todos deveriam ter a experiência de conhecer o outro um dia. Ajuda a entender muito mais de nós mesmos.”

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