• Edição 156
  • 26 de abril de 2007

Ponto de Vista

O novo contexto urbano do shopping

Aline Durães

imagem ponto de vista

Quando você pensa em um lugar no qual possa passear, fazer compras, ir ao cinema e reunir-se com amigos, qual a primeira palavra que lhe vem à cabeça? Não é difícil prever que a resposta da maioria das pessoas seja o shopping center. Há alguns anos, esse estabelecimento deixou de funcionar apenas para atender demandas de consumo e passou a exercer também o papel de ponto de encontro e pólo de entretenimento.

Embora tenha sido criado nos anos 80, com o intuito de suprir as necessidades de compra das classes média e alta, o shopping center, ao longo da década de 1990, ganhou visibilidade nacional e se popularizou, atraindo a atenção de segmentos excluídos da proposta original. Pesquisas da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) revelam que existem hoje no Brasil 346 estabelecimentos, pelos quais passam mensalmente cerca de 200 milhões de pessoas. Só no estado do Rio de Janeiro, são 40 empreendimentos que ocupam uma área de quase um milhão de metros quadrados.

Ainda de acordo com a Abrasce, em 1983, somente 15% dos empreendimentos estavam no interior do país. Hoje, esse percentual se elevou para 49%. Para Rosemere Maia, professora da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), que pesquisou os shopping centers do Rio de Janeiro de 1998 a 2002, a expansão desses estabelecimentos para regiões interioranas e para as periferias das grandes cidades reflete a dispersão no processo industrial capitalista:

— Antes, a produção se dava em grandes parques industriais, hoje a produção é dispersa. O mesmo processo não se verifica no consumo, que está cada vez mais concentrado. Os shoppings se adequam muito bem a esse modelo. A década de 1980 não foi a melhor para os setores menos favorecidos, mas, na década de 1990, houve uma pseudo-melhoria das condições de vida. As desigualdades permanecem, até se agudizam, mas os segmentos populares têm a impressão de que podem consumir mais até por conta da possibilidade da compra a prazo — avalia a pesquisadora.

Rosemere explica ainda a febre de shopping como uma resposta da população aos índices de criminalidade verificados nas metrópoles. Segundo a professora, os freqüentadores confiam nos mecanismos de segurança dos shopping centers e, ali, sentem-se mais protegidos de eventuais episódios de violência:

— Eles acham que o shopping é mais seguro do que a cidade, mas sabem que não é imune à violência. Interessante notar que, ao mesmo tempo em que as pessoas prezam essa segurança, também criticam a forma como ela é garantida no contexto do estabelecimento. Isso porque, muitas vezes, essa segurança cria constrangimentos. Pessoas que estão em desacordo com o padrão de vestimenta esperado para o lugar, indivíduos negros ou que expressem atitudes que denunciam a origem de classe atraem o olhar vigilante, e isso incomoda — observa.

A pesquisa realizada por Rosemere Maia mostrou ainda que, embora sejam pautados pelas idéias de extraterritorialidade e de acesso irrestrito, os shopping centers reproduzem as desigualdades verificadas na sociedade:

— Os shoppings passam a imagem de lugar público, de que lá todos podem entrar, mas essa entrada não significa uma efetiva apropriação do espaço e dos símbolos que aqueles empreendimentos querem difundir. Ainda que eles apresentem signos e símbolos que, teoricamente, são reconhecidos por todo mundo, há a criação de barreiras invisíveis, que fazem com que determinadas pessoas se vejam constrangidas a entrarem em certas áreas. A pobreza e a desigualdade acabam se reproduzindo ali dentro, no contato com o outro, nos códigos que são criados no interior desses estabelecimentos — conclui.