• Edição 148
  • 01 de março de 2007

Ponto de Vista

O mais importante entre livro e leitura é o leitor

Priscilla Bastos

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A Internet é tida, muitas vezes, como destruidora dos livros e até da gramática. O fenômeno dos sites de relacionamentos, blogs e ferramentas do gênero preocupa boa parte da sociedade, que acredita que eles possam levar a um esgotamento da produção e, conseqüente, perda de novos leitores e escritores. Para falar sobre isso, o Olhar Virtual conversou com o professor e escritor, Godofredo de Oliveira Neto, ganhador do 2º lugar do Prêmio Jabuti pelo romance Menino Oculto.

O mais importante entre livro e leitura é o leitor. Isso significa que ele precisa de um nível de desenvolvimento sócio-econômico que lhe permita o acesso à escrita, que é um direito e não é um luxo. As políticas de leitura e escrita têm que partir desse pressuposto. Para isso é preciso que se diminuam as misérias, que se acabem os analfabetismos, o analfabetismo de adultos. Isso porque, além de ser um direito dele, influencia nas crianças. Talvez, as coisas sejam mais fáceis, porque nós costumamos olhar para o fim, para a Internet, o livro etc., mas temos que falar das pessoas.

Em relação à Internet, observa-se um fenômeno curioso. Uma sensação de estar falando com muita gente e, ao mesmo tempo, com pouca. Isso criou a idéia de um certo poder - porque se acha que todos o ouvem, todos lêem o que você escreve -, mas trata-se de uma pseudo-liberdade, que, na verdade, é uma solidão. Isso criou algo interessante: as pessoas põem para fora, na escrita coisas que normalmente não sairiam. A fabulação sai com muita facilidade nas teclas, para uma rede de leitores.

É nesse ponto que entra a questão da autoria, porque qualquer um pode escrever se passando por outra pessoa, com outra idade, sexo etc.; todo mundo vira um pouquinho narrador de uma ficção, as pessoas falam com as outras como se fossem outros personagens, caracterizando o princípio da fabulação. Por isso, a questão dos direitos autorais, porque não dá mais para controlar. A Internet facilitou o que sempre existiu.

Criou-se uma cultura de ficção, de literatura, o que talvez explique, em parte, o boom de novos escritores. Muita gente está tendo a impressão de que pode ser escritor, o que, no fundo, todo mundo é mesmo. Isso está se refletindo na produção de livros; está saindo da Internet e indo para o papel. A idéia dos blogs, a maneira de escrever, está influenciando a própria literatura brasileira contemporânea e até invadindo as editoras. Está se tornando um estilo, uma corrente de pensamento, de um tipo de uso da língua portuguesa com um certo enxuguismo. Ao mesmo tempo, pensando mais a frente, esse movimento chegará a um teto, sofrerá um esgotamento e haverá uma tentativa de recuperar o clássico; o livro é seguro, a escrita está ali.

A Internet cria uma maneira de pensar e escrever; é fato cultural, que influencia em tudo isso, ou seja, na nova literatura, nova escrita, novo relacionamento, a democratização da fabulação, a sensação de ser escritor, de poder criar histórias. Tudo com mais facilidade, porque parece que está menos policiado pela gramática, dá uma sensação de que não se precisa de uma editora, porque “eu” já sou escritor pelo que escrevi nos blogs. As editoras, inclusive, tentam recuperar esses espaços, com novos escritores. Nascem mais editoras, pequenas editoras são criadas; é algo curioso, até se fala que no Brasil há mais editoras que livrarias. Mas até onde vai isso? Temos que acompanhar esse movimento.

A Internet é um traço de civilização, é um traço de aproximação entre as pessoas – uma falsa aproximação. As pessoas se sentiram aptas e com espaço para se mostrar, mostrar suas entranhas, suas psicologias. É uma matéria bruta para a literatura fenomenal, porque deve haver muitas histórias inventadas, de sonhos não contados, de desejos na Internet. Cada um de nós é um escritor em potencial, pois todos têm capacidade de mentir, inventar, e isso é a fabulação. Esse exercício estava meio tolhido, e, na Internet, as pessoas fazem isso à vontade.