• Edição 143
  • 07 de dezembro de 2006

Ponto de Vista

A difusa espiritualidade do brasileiro

Kareen Arnhold/AgN Praia Vermelha

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Comemorando os 50 anos do Grande Sertão: Veredas, obra de Guimarães Rosa, Eduardo Refefkalesky, professor da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), fez uma leitura do livro, considerado uma das mais densas obras da literatura brasileira, sob uma perspectiva até então não abordada: o cenário da religiosidade brasileira. Em entrevista ao Olhar Virtual, ele expande sua análise e fala de como a religiosidade brasileira é influenciada e refletida não apenas pela literatura como, pela cultura de massa.

“O Brasil, historicamente, tem um caso singular em sua formação demográfica: a miscigenação em larga escala das etnias branca européia, africana e indígena. Essa característica, transposta para o plano cultural-simbólico-religioso, forma uma religiosidade – sentimento individual das pessoas, à parte da religião institucionalizada – sincrética, que apropria-se de elementos de várias origens, juntando-os, contrapondo-os ou justapondo-os. Característica singular da religiosidade brasileira, a espiritualidade difusa nacional virou produto popular de exportação, o que pode ser notado, por exemplo, com o sucesso internacional do escritor Paulo Coelho e com a propagação mundial da Igreja Universal do Reino de Deus, que nasceu no Brasil e hoje está em oitenta países. Tanto em âmbito popular, na indústria cultural, quanto em âmbito mais erudito, o sincretismo da religiosidade brasileira está presente. Na cultura de massa, bons exemplos são filmes como O pagador de promessa e, principalmente, as telenovelas, que desde 1976, com A viagem, dão um tratamento privilegiado à religiosidade brasileira, com espíritos, videntes, oráculos, protetores, profecias, divindades e outros. Apesar da tradição oral brasileira, a produção bibliográfica literária também é bastante forte, o que percebemos com o Kardecismo, cujo sucesso depreende dos livros de doutrina e, principalmente, dos romances espíritas, como Nosso Lar, de Chico Xavier. Os romances espíritas, por trabalharem próximos da religiosidade popular, da ingenuidade e longe do intelectualismo, sempre fizeram sucesso no país. Guimarães Rosa promoveu essas questões religiosas e metafísicas profundas; Jorge Amado fez o mesmo, porém num nível mais descritivo. A religiosidade, então, algo característico da cultura brasileira, é um tema importante para entendermos tanto a cultura erudita, quanto a cultura popular, motivo pelo qual ela é merecedora de análises”.