• Edição 133
  • 28 de setembro de 2006

Ponto de Vista

Candidatura de acusados de corrupção garante o direito à presunção de inocência

 

Amanda Wanderley

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Nos últimos meses, muitos foram os escândalos que envolveram deputados e senadores de diversos partidos políticos. Acusados de participação no esquema do Mensalão e das Sanguessugas, de sonegação fiscal, corrupção passiva e crime eleitoral, alguns desses atores do cenário de corrupção da política brasileira disputam, mais uma vez, um cargo eletivo. Às vésperas das eleições, os eleitores se questionam sobre a legalidade das candidaturas de corruptos. Para tentar esclarecer essa questão, o Olhar Virtual conversou com o professor adjunto da Faculdade Nacional de Direito, Carlos Eduardo Adriano Japiassu.

“Eu entendo que é lícita a candidatura de acusados de corrupção. A Lei 9.504 de 1997, que estabelece as normas para as eleições, expressamente, apenas veda em caso de ter sido condenado com sentença transitada em julgado, ou seja, ter condenação definitiva e não ter sua candidatura suspensa pelo simples fato de você ser investigado ou acusado. Uma disposição constitucional determina a presunção de inocência, ou seja, até que se prove o contrário o indivíduo sempre é inocente — somente será culpado depois que for condenado com sentença transitada em julgado. Sendo assim, não se pode restringir esse direito, sob pena de abertura da possibilidade de perseguição política. Exemplificando, se um sujeito tiver a máquina policial à sua disposição ou se ele for policial mesmo, ele pode instaurar inquéritos sem fundamento contra pessoas e, assim, inviabilizar candidatura de opositores, para depois chegar para o investigado e dizer ‘desculpa, não era nada disso’, mas, dessa forma, já terá inviabilizado a candidatura. Aqui no Rio de Janeiro já foi discutido que haveria implicitamente na constituição a idéia de que o sujeito tem de ter uma honra ilibada para poder ser candidato. Mas o TSE não adotou. Nesse ponto o TSE é muito legalista, segue letra da lei. Eu acredito que esse tipo de entendimento gera alguns problemas de clareza e segurança, ou seja, ‘o que é honra ilibada?’ e ‘o que não é?’. É muito fácil quando nós lidamos com eventos extremos: você tira a folha corrida do sujeito e ele tem anotações e mais anotações. Dessa forma, você vai olhar de maneira estranha, mas a partir de quantas anotações isso será estranho? A partir de quantas não será? Como separar os casos de perseguição política a sujeitos inocentes das situações de delinqüência? Precisamos pensar não só nos ‘grandes criminosos’, mas em qualquer pessoa que pode estar sujeita por conta de um inimigo, por causa de uma grande injustiça. Por essa razão, considero que o mais seguro é ainda manter o respeito à presunção de inocência e, portanto, o trânsito em julgado.

O Brasil vive hoje uma intensa campanha contra a corrupção, o que é saudável. Corrupção faz mal ao estado democrático de direito, a qualquer sociedade. Na realidade, há, mais do que uma campanha contra a corrupção no Brasil, há uma campanha em escala mundial. Atualmente, as pessoas têm acesso ao ranking de corrupção da transparência internacional, já que, além de todas as questões éticas, a corrupção é um negócio que afeta a livre concorrência, o desenvolvimento econômico. Então, o mundo inteiro está preocupado com isso. Mas o combate a alguma coisa que é muito nociva, como a corrupção, não pode levar a supressão de outros direitos. E a presunção de inocência é muito importante. Quer dizer, são os riscos da democracia.

Eu, como cidadão, não me sinto confortável em ver alguns possíveis autores de crimes se candidatando. É claro que precisamos pensar em uma reforma política por ser uma necessidade urgente brasileira. Ao mesmo tempo, se eu tenho um desconforto nesse sentido, eu tenho outro conforto que é saber que a presunção de inocência, uma garantia muito importante, de alguma maneira ainda é preservada. Se começarmos a admitir presunção de culpa para as pessoas podemos prejudicar a democracia”.