• Edição 132
  • 21 de setembro de 2006

Olho no Olho

O ambivalente voto nulo

Aline Durães

imagem olho no olho

A descrença política leva, não raro, muitos eleitores a anularem seus votos. Uma pesquisa realizada no início de setembro, pelo JB/Sensus, mostrou que 22,5% dos eleitores do estado do Rio de Janeiro pretendem votar nulo/branco para a Presidência da República. As estatísticas levaram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a investir maciçamente em propagandas de valorização do voto.

O voto nulo, assim como o voto em branco, é desconsiderado na contagem final das eleições. O artigo 224 do Código Eleitoral (Lei 4.737/65), entretanto, determina que se a nulidade atingir mais da metade dos votos, um novo pleito deve ser marcado no prazo de 20 a 40 dias, a contar da primeira eleição. Apesar de improvável de se realizar na prática, essa lei estimula, em parte, cidadãos a votarem nulo, como forma de protesto contra o cenário político brasileiro.

A resistência, no entanto, é encarada por muitos como omissão. Isso porque, de acordo com o argumento contrário à nulidade, ao declinar do direito político do voto, o eleitor fortalece os políticos corruptos, aumentando o número de votos válidos destes.

Para discutir essa questão, o Olhar Virtual entrevistou Charles Pessanha, professor do Departamento de Ciência Política, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), e José Simões, docente do Instituto de Física (IF) e presidente da Seção Sindical dos Docentes da UFRJ (Adufrj).

 

Charles Pessanha
professor de Ciência Política do IFCS

"As pessoas têm todo o direito de votar nulo; o voto nulo é uma opção, mas representa também uma omissão. A Constituição Federal de 1988 é uma segunda tentativa – a primeira foi a CF de 1946 que instituiu os partidos nacionais, mas que falhou, pois em 1947, o Partido Comunista foi extinto – de construir uma sociedade moderna e democrática. O Brasil vem, desde 1988, primando por resolver todas as suas crises com base na Constituição Federal. Nós estamos efetivamente caminhando rumo às democracias modernas.

Por isso, eu gostaria de sugerir que as pessoas, em especial os jovens, analisassem esse voto nulo com cuidado; elas devem perceber que estão construindo o país no qual vão viver o resto de suas vidas e que escolher um bom candidato, votar naquele que trabalhou bem e não votar naquele que não trabalhou levam à construção de um futuro melhor para o Brasil. Devemos ter em mente que todos os partidos políticos apresentam bons candidatos.

Nesses cem anos de República, tivemos, no Brasil, um índice muito baixo de participação política da população. A Constituição de 1988 criou muitos mecanismos de acompanhamento e de controle, mas não existe uma pedagogia de controle daquilo que o político faz depois de eleito. Nós não criamos, na nossa cultura política, o ato de cobrar dos nossos governantes.

O eleitor que vota nulo é um eleitor que se preocupa; é possível que ele seja um bom eleitor. Se ele é um bom eleitor, a tendência é ele escolher um bom candidato. É possível que esse eleitor seja até um bom candidato, uma pessoa que se preocupa com o bem comum. Por isso, seria bom se ele refletisse sobre seu voto."

José Simões
presidente da Adufrj e docente do Instituto de Física

“Há o voto nulo despolitizado, que, de certa forma, é estimulado pela Direita; ele pertence àquele cidadão que se desiludiu com a experiência da Esquerda no poder e que se exime de qualquer responsabilidade no sentido da mudança. Mas há um outro tipo de voto nulo, que é de quem está procurando uma solução mais definitiva para os nossos problemas. O voto nulo, nesse caso, é uma possibilidade de o cidadão mostrar que está lutando pela construção de um outro espaço político, diferente desse espaço virtual atual.

A democracia brasileira é virtual, só funciona na hora do voto. Ela mostra, inclusive, que é impossível ao cidadão comum acompanhar ou cobrar o cumprimento das propostas de governo de seus candidatos. Sendo assim, não é suficiente o cidadão poder votar em alguém para ir para Brasília. Disseminar por aí que o voto de um desempregado vale a mesma coisa que o voto de um dono de banco é mentira. Temos que construir outras formas de intervenção na democracia, porque votar em alguém e esperar que alguma coisa mude não é a melhor saída.

Existem pessoas decentes para se votar, mas nesse sistema, no qual se verifica o total domínio do capital financeiro, é uma ilusão acreditar que no Parlamento nós vamos conseguir mudar a realidade brasileira. O voto nulo não vai resolver essa questão imediatamente, até porque não há uma campanha que cristalize isso em um movimento político, por isso acredito que só haverá mudanças efetivas quando existir um fortalecimento na base da sociedade e, em especial, nas organizações dos trabalhadores. As pessoas devem impor as suas necessidades com as próprias mãos e não ficar esperando que partidos políticos e eleições transformem a situação."