• Edição 132
  • 21 de setembro de 2006

Ponto de Vista

Faculdade de Medicina escreve sua história

Priscilla Bastos

imagem ponto de vista

No dia 22 de agosto, a Universidade Federal do Rio de Janeiro rememorará os quarenta anos da Invasão da FNM (Faculdade Nacional de Medicina), em que forças policiais invadiram o antigo prédio da Faculdade de Medicina no campus da Praia Vermelha e agrediram os alunos que ali estavam. Para falar sobre o episódio e analisar a importância de aprofundar a história institucional, o Olhar Virtual conversou com o diretor da Faculdade de Medicina da UFRJ, Antônio Ledo, que traçou uma perspectiva sobre história, sociedade e instutuição.

“A história, em geral, faz parte da essência do ser humano. Não há explicação para separar a história de um indivíduo ou de uma sociedade ou de uma instituição, caso contrário, está-se querendo esconder algo. A história é, inegavelmente, inerente à existência do ser humano; muito mais do que o presente e o futuro, pois tem um registro. Não se pode olhar uma instituição - mais especificamente no nosso tema da rememoração da invasão - sem entender sua história. Uma instituição como a nossa, a Faculdade de Medicina, antiga Faculdade Nacional de Medicina, que vai fazer 200 anos em 2008 e que inaugurou o ensino superior no Brasil, tem uma responsabilidade tremenda por suas lutas e conquistas dentro da sociedade.

A partir daí, entra o fato específico da Invasão da FNM. Esse episódio é muito interessante porque coloca a Faculdade de Medicina no centro, embora ela não estivesse no centro no sentido de estar sozinha. Interessante ter uma reflexão sobre esse aspecto porque foi na Faculdade de Medicina que a invasão foi feita. Muitos dizem que poderia ter sido em outro lugar qualquer, mas a história diz que foi na Faculdade de Medicina. O porquê de ter sido pode ser uma opinião meramente casual; porque as pessoas simplesmente estavam ali. Mas a Faculdade de Medicina, naquela época, junto com as de Direito e Filosofia eram os três alicerces, as três lideranças dentro do movimento estudantil da universidade. Dessas, talvez, a que se diferenciasse um pouco fosse a de Medicina, pela participação de seus docentes e também pelo diretor à época, que era de uma formação mais humanista. Então, a relação com seus alunos era diferente, era mais próxima. Quando trazemos de volta a história, necessariamente trazemos de volta a sua reflexão. Se você vivenciou a ocasião, traz de volta a memória, a reflexão daquele momento, e se não vivenciou, também é movido por emoções, recebe o impacto da situação que passou, nesse caso, a Faculdade de Medicina.

Nesse caso específico, tenho analisado três dimensões relacionadas. Uma dimensão mais macro, que chamaria de uma reação ao momento em que a nação vivia, em que as liberdades democráticas não existiam, em que existiam uma opressão e uma ditadura. É uma situação interessante, pois, segundo se entende, parte da classe que apoiou a revolução já estava desconfiada da situação, não eram os caminhos propostos. Quero trazer, de alguma maneira, a idéia de que os estudantes estavam pactuando com esse grupo e que, logo depois, ao perceberem que não era como esperavam, se posicionaram e tomaram alguma atitude. Esse grupo era a representatividade naquele momento; o episódio poderia não ter ocorrido, mas os estudantes permaneceram, em uma clara atitude decisiva e política.

Gosto muito da frase que diz que o estudante deve “resgatar um pouco da sua generosa radicalidade e das suas ousadas utopias”. O estudante tem isso, e, naquele momento, estava exacerbado. E por que não está assim hoje? Porque, hoje, a ditadura mudou; não existe uma ditadura militar, mas sim a do mercado, que dita todas as normas, até o movimento da vida se transforma mercadoria. Nessa dimensão, o estudante deve se posicionar mais agressivamente em relação a isso.

A segunda dimensão que acho fundamental entender é a questão da autonomia da universidade. Nesse momento, não foi tirada a autonomia da universidade porque não existia; quando o ministro tira um reitor do cargo e diz que o poder agora está com ele, não há autonomia. Até hoje a universidade busca autonomia. Recentemente, vivenciamos um episódio em que o candidato a reitor menos indicado para assumir, com o menor número de votos, assumiu o cargo; não existe autonomia.

A terceira dimensão é mais local e, por isso, voltamos ao papel da faculdade nesses 200 anos. A Faculdade de Medicina tem uma responsabilidade social imensa, pois não pode simplesmente formar grandes técnicos, mas sim grandes cidadãos, que vão perceber que a medicina e a saúde transcendem a questão meramente profissional. Além disso, há a produção de saber, em que a Faculdade de Medicina vem se mantendo como destaque nos últimos anos. Estou querendo passar a perspectiva de que a medicina faz parte do conceito de saúde, mas a saúde não é só a medicina.

Temos grandes desafios, que trazemos de volta com a rememoração do episódio. Ele traz essa reflexão individual, mas também a coloca em um contexto, quando é feita, por exemplo, uma exposição ou uma sessão solene no conselho universitário, que vira os olhos, não só para Faculdade de Medicina, mas para o episódio em si, que envolve a questão da autonomia. Ele chama a atenção para um episódio importante e para o fato de que outros também existiram, em outras unidades. O desafio é como olhar para esse momento e perceber que foi expressivo, como entender o seu presente para construir um futuro mais promissor, mais adequado para a nossa faculdade.”