• Edição 130
  • 06 de setembro de 2006

De Olho na Mídia

A dona das letras

Há 62 anos, a professora Cleonice Barardinelli estimula em seus alunos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) a paixão pelas letras. Na Pontifícia Universidade Católica do Rio, onde está há 43 anos, acontece o mesmo. Sua dedicação não se mede apenas pelo tempo de trabalho. Além de lecionar e orientar teses de pós-graduação, ela é considerada a maior lusitanista – ou especialista em literatura portuguesa – do Brasil, tem fama internacional e título emérito na UFRJ. O reconhecimento veio até daqueles que são alvos de seus estudos, os escritores. No exemplar do livro Fazendeiro do ar, de 1954, até a dedicatória do autor, Carlos Drummond de Andrade: “À verdadeira fazendeira.” E Manuel Bandeira inspirou-se em Cleonice para escrever duas crônicas. “Ele era um grande amigo, um conversador ótimo”, recorda-se. Também foi colega de Alceu Amoroso Lima. São fabulosas histórias da professora, que completou 90 anos na segunda-feira, 28.

Cleonice passou por uma maratona de homenagens, que se somam a tantas em sua vida profissional. Uma rara indelicadeza veio – quem diria – do Ministério da Educação, que, há três anos, ao homenagear professores com mais de 50 anos de profissão, deixou-a de fora da lista. Os funcionários alegaram falta de alguns documentos. Cleonice ri do episódio e admite que não é chegada a entulhar esse tipo de papel: “Sou a criatura menos burocrática que se pode encontrar.”

Antes de enveredar pelas letras, ela passou pela música – foi pianista elogiada pelo grande compositor e maestro Lorenzo Fernandes – e pensou em fazer engenharia. A guinada deu-se depois que um professor de português fez campanha para atraí-la para sua área de atuação.

Nascida no Rio de Janeiro, foi para São Paulo com o pai, que era militar, e formou-se em 1938 pela USP. Até hoje mantém intacto o encanto de ter nas mãos um bom livro. “O prazer de ler um texto é destrinchá-lo, buscar quais as intenções do autor”, ensina. A literatura portuguesa é seu habitat e, para os que querem desvendar seus fundamentos, ela sugere três autores: Camões – especialmente Os Lusíadas –, Eça de Queiroz e José Saramago. É importante notar que as nove décadas não tiraram sua vivacidade. Aos que, diante de tanta paixão pelo que faz, duvidam que tenha idade tão avançada, ela observa: “isto é porque eu convivo com gente moça”, explica. “As pessoas da minha idade afobaram-se e morreram antes de mim.”

 

Veículo: Revista Isto É – SP   Data: 06/09/2006   Editoria: Comportamento