• Edição 117
  • 08 de junho de 2006

Ponto de Vista

As duas histórias de um filme

Aline Durães

imagem ponto de vista

A Guerra de Tróia, a trajetória de Alexandre Magno, os combates entre gladiadores do Império Romano e as Cruzadas. O que esses episódios têm em comum? Além de serem importantes momentos da História Ocidental, todos eles foram temas de superproduções cinematográficas que, nos últimos anos, lotaram salas de cinema em todo o mundo.

A apropriação da temática histórica pela indústria cultural, no entanto, fragiliza o limite entre a ficção e a História. O espectador corre o risco de assimilar como verdadeiros dados que não passam de entretenimento. As obras, apesar de utilizarem personagens e passagens já conhecidas, não estabelecem a distinção entre o que é e o que não é histórico.

O filme "O Código Da Vinci”, adaptação do best-seller que já vendeu mais de 40 milhões de cópias, é o exemplo mais recente dessa confusão. No dia 5 de junho, André Chevitarese, professor de História Antiga do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ), ministrou uma palestra na Associação Brasileira de Imprensa (ABI) sobre o tema.

No evento, o pesquisador, especializado em Paleocristianismo (período relacionado aos anos I e II d.C), destacou os erros históricos do enredo, entre eles, as decisões atribuídas ao imperador Constantino no Concílio de Nicéia e a suposta relação amorosa entre Jesus e Maria Madalena.

O Olhar Virtual entrevistou André Chevitarese, que foi também colaborador dos roteiros dos filmes Maria, mãe do filho de Deus e Irmãos de Fé, ambos dirigidos por Moacyr Góes. Apesar de reconhecer que a abordagem cinematográfica não reproduz os fatos com fidelidade, o professor salientou os pontos positivos da união entre narrativa histórica e ficção.

André Chevitarese, professor de História Antiga, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS/UFRJ).

"O historiador, muitas vezes, evita avançar em certas áreas, com a alegação de que faltam documentos, de que não há como provar determinadas hipóteses. Para quem produz uma ficção histórica, a não-existência de documentos não se constitui em uma barreira para se efetivar um trabalho, o que possibilita a construção de interessantes narrativas.

A linguagem da obra ficcional não tem que, necessariamente, coincidir com a linguagem historiográfica. Os autores têm uma visão própria, mas nunca abrem mão de ter ao seu lado um intelectual, que lhes proporcionem um mínimo de informação, para que haja a colagem entre o que será visto pelo espectador e o que a História lhes diz. Há um diálogo. O historiador espera que esse diálogo produza junto ao público o interesse de se aprofundar no tema.

O cinema, assim como a Literatura, é capaz de atingir o público de uma forma muito mais plena do que a linguagem historiográfica acadêmica. A universidade produz um tipo de saber pesado, hermético, dependente de uma extensa bibliografia. O interessante é que os autores de obras de ficção histórica acabam produzindo um tipo de discussão que nós, historiadores, gostaríamos de desencadear, mas não conseguimos.

O fato de essas obras comerciais não definirem os limites entre o factual e o imaginativo não é um problema, porque há sempre a esperança de que uma pequena parte dos espectadores ou leitores se sinta suficientemente incomodada para correr atrás de informações mais apuradas."