• Edição 111
  • 27 de abril de 2006

Olho no Olho

A ciência pode produzir verdades?

Vanessa Sol

imagem olho no olho

Durante séculos a religião era detentora das verdades que respondiam aos mais diversos fenômenos da natureza. No entanto, as respostas já não davam conta de explicar todos os acontecimentos e, conseqüentemente, não satisfaziam os anseios do homem, que através de sua evolução intelectual, tornou a busca pelo conhecimento sistemática.

A partir do século XVI, cientistas fizeram avançar a ciência moderna. Muitas teorias foram desenvolvidas, mas com o tempo percebeu-se que eram passíveis de erros e podiam ser refutadas no futuro.

Para refletir a respeito da possibilidade da ciência produzir verdades, o Olhar Virtual convidou para falar sobre o assunto os professores Nelson Velho de Castro Faria, diretor do Instituto de Física, e Paulo Emílio Valadão de Miranda, coordenador do Laboratório de Hidrogênio da COPPE.

 

Nelson Velho de Castro Faria
Diretor do Instituto de Física

“De Aristóteles a Galileu, demorou 2000 anos para a descoberta do movimento dos corpos, do objeto que cai, como, por exemplo, a lua em órbita, os corpos que deslizam sobre um plano inclinado ou um simples empurrão de um corpo sobre uma mesa.

A religião teve forte influência no entendimento desses movimentos devido aos dogmas por ela impostos, que mantinha suas verdades fora da Terra – quinta essência.

A verdade de Aristóteles foi adotada pela religião católica, tornando-se verdade no sentindo religioso, mas não no científico. Aristóteles acreditava que para um corpo andar alguém tinha de empurrá-lo. E, na verdade, não é isso que ocorre. Você joga o objeto e ele vai por ele mesmo. Isso é explicado pelo princípio inércia, conceito que aparece anos mais tarde com Galileu e Newton, que tiveram papel importante nas descobertas científicas.

Não se pode fazer uma teoria fora da realidade. Tem que ter uma comprovação através do método científico. Ao longo dos anos, surgiram maneiras de atacar os problemas para poder comprová-los.

A lua está órbita através do princípio de inércia. Para entender o movimento dos corpos, princípio de inércia, entre outras teorias que surgiram ao longo dos anos, é necessário à utilização de métodos que visem mostrá-los e comprová-los.

Se temos uma teoria que explica algo, não significa que ela seja eterna. À medida que os estudos avançam, novas teorias surgem para dar conta de eventos que não estavam previstos anteriormente. Por exemplo, a verdade de Einstein, ao mesmo tempo em que resolvia um problema do século XIX, que era o eletromagnetismo, também previu uma série de fenômenos novos. Daí em diante, quando começou a se descobrir fenômenos novos que desrespeitavam essa lei, percebeu-se que as teorias novas não davam conta de explicá-los.

Hoje, a mecânica quântica, que vem sendo estudada desde o século XIX, explica fenômenos que a mecânica clássica não explicava, pois a primeira não dava conta de explicar movimentos pequenos.

Ou seja, a verdade científica é aquela que se tem no dia, no entanto, ela pode não ser verdade científica posteriormente.”

Paulo Emílio Valadão de Miranda
Coordenador do Laboratório de Hidrogênio da COPPE

“É correto dizer que a ciência busca verdades. Agora se ela chega em verdades depende de vários fatores, inclusive, sobre o que é o conceito de verdade. Então, muitas vezes, chega-se em respostas que são condicionadas por um entendimento prévio, que poderiam ser verdadeiros ou não, por uma seqüência de experimentos que pode ser melhor ou não para dar aquele tipo de resposta.

A partir daí, o primeiro ponto é saber o que é verdade. O segundo é que a ciência pode chegar no que, eventualmente, consideraríamos uma verdade se uma série de fatores prévios colaborarem para isso, ou não chegar caso esta série de fatores não colaborem.

Esses fatores são etapas existentes dentro do método científico. A metodologia científica, geralmente, é muito cuidadosa porque ela se baseia em conhecimento prévio, em estudos outros já realizados, em hipóteses estabelecidas e que se tentam comprovar, em experimentos realizados para mostrar a direção que se deve ir com a compreensão daquele tema. No entanto, um desses elos pode estar mal estabelecido e, às vezes, anos mais tarde alguém descobre esta inconsistência, e aí encontra uma outra explicação. Isso não significa que a teoria anterior seja falsa. Ela foi verdadeira durante algum tempo, depois se descobriu que não. Mas será que posteriormente não poderá ser descoberta uma outra teoria que explique esse mesmo acontecimento? Em princípio, sim. Um dos principais pontos da ciência é que ninguém tem certeza aonde vai se chegar. Talvez, seja esta sua característica mais fascinante. Os pesquisadores, que trabalham na fronteira do conhecimento, prevêem o lugar de chegada, mas sabem que os resultados podem ser diferentes.

Em muitos casos, são feitas descobertas que não eliminam a anterior. Também não se pode dizer que ela era uma inverdade. A conclusão a que chegamos é que era um caso particular de uma situação mais abrangente, como por exemplo, a mecânica newtoniana e a relatividade einsteiniana. A partir do momento que tivemos acesso a teoria da relatividade, tivemos o entendimento que a visão mecanicista de Newton era uma parte de um todo e não tudo. Não significa que Newton estava errado, mas a teoria dele não dava conta de explicar todo fenômeno. O que se tem como verdade, às vezes, pode ser limitado porque não se tem uma visão global tema. Por isso, é freqüente um artigo científico ser publicado e desmentir um anterior, mas isso não significa que o anterior era falso. Ele concluiu algo com as condições que ele tinha. Essa é uma característica da ciência – ser incremental. Ou seja, ela dá passos pequenos para construir algo maior.

Às vezes, tem-se uma quebra de paradigma. Como exemplo, temos a questão energética. Sair da economia do petróleo e entrar na economia do hidrogênio seria uma mudança de paradigma, pois está ligada a idéia de resistência. Todos os combustíveis utilizados hoje são combustíveis fósseis, que estão associados à idéia de agressão ao planeta. No futuro, isso vai mudar, pois serão utilizados sistemas renováveis e que não agridem ao meio ambiente.”

* Livro utilizado para texto introdutório: Filosofia da ciência, Alberto Oliva. Jorge Zahar Editor, 2003.