• Edição 110
  • 20 de abril de 2006

Olho no Olho

Mídia e Sexo: mulheres consomem, cada vez mais, programas e produtos eróticos

Priscila Bastos

imagem olho no olho

Desde o início do movimento feminista, as mulheres já conseguiram vencer muitos obstáculos, principalmente aqueles relativos às áreas econômica e social. Há, entretanto, uma barreira interna, existente na mente e, de certa forma, no comportamento feminino: a sexualidade.

Os homens demonstram tratar do assunto com naturalidade, assistem filmes pornográficos, consomem produtos eróticos, compram revistas de nudez etc. Quanto se trata das mulheres, cria-se uma atmosfera de moralismos e vergonha, fazendo com que elas se tolham e não façam o que têm vontade.

Apesar disso, há uma alteração nesse quadro. Para falar sobre isso, o Olhar Virtual convidou duas professoras que tratam do assunto sexualidade na mídia e no consumo, cada uma com uma abordagem diferente.

 

 

 

Magda Vaisman
Professora e diretora do programa de assistência a pessoas com Problemas Relacionados ao Uso, Abuso e Dependência do Álcool e outras Drogas (UNIPRAD), desenvolvido pelo Hospital Escola São Francisco de Assis.

“As mulheres hoje representam 70% dos consumidores de sex shops espalhados pelo Brasil, setor que movimenta mais de R$700 milhões por ano. Os dados são da Associação Brasileira das Empresas do Mercado Erótico e Sensual. Uma empresaria do ramo declara que são elas quem mais correm atrás dos sonhos eróticos e o que elas querem é agradar a pessoa que amam.

Em busca de mais prazer na relação sexual, as mulheres lançam mão dos mais diversos produtos e artigos: desde simples óleos de massagem, lubrificantes, géis térmicos, lingeries sensuais e fantasias, até os mais modernos vibradores. Face a esta constatação, pode-se pensar em vários hipóteses para explicar esse fenômeno relativamente novo em nosso meio. Apesar de cada vez mais a mulher estar liberada nesta era de intensa globalização e conseqüente avalanche de informação, ela passa a competir nas mesmas condições que o homem no mercado de trabalho. E sofre, paradoxalmente, com a necessidade de maior auto-suficiência e de se bastar muitas vezes, seja por falta de tempo para ser “madame” (sonho de muitas), seja como forma de se preservar de envolvimentos que possam comprometê-la ou fragilizá-la emocionalmente. Daí a busca por “resolver!” a sua sexualidade através do uso solitário destes produtos.

Por outro lado as mulheres estão deixando os sentimentos de culpa em relação ao sexo, herdados de nossa secular tradição judaico-cristã, passando a encará-lo de modo mais lúdico e saudável, portanto, não vêem nada de mais em exercitar as suas fantasias e incrementar, com elas, suas práticas sexuais, sem, entretanto, deixar de lado as suas necessidades afetivas de terem um sexo aliado ao sentimento de amor. Fato este, que nos homens sempre foi tradicionalmente desprezado ou melhor dissociado.”

Luciana Zucco
Professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ

“As novas modalidades dos meios de comunicação de massa (internet, TV a cabo, entre outras) intensificam e ampliam as oportunidades diárias de acesso a diferentes produtos culturais, alterando significativamente as relações sociais cotidianas. Neste ‘supermercado cultural’ (Hall, 2003), o erotismo é um dos produtos que movimenta grandes investimentos, resultando em faturamento na ordem de US$ 12 bilhões nos Estados Unidos (Folha de São Paulo, 2005). Apesar de não ser considerado um ‘produto comum’, ele agrega apelo de consumo, estimula necessidades, desejos e aspirações imaginárias, além de assegurar sentimentos transitórios de bem estar. No bojo do moderno hedonismo, as mulheres assumem posições outrora impensáveis, de ‘objeto de desejo e consumo da população masculina’, passando a serem igualmente consumidoras de tais produtos.

De acordo com o Grupo de Mídia de São Paulo (2003), as mulheres perfazem uma fatia majoritária das audiências da televisão (53%) e do rádio (55%), enquanto dos jornais, representam 49%. Pode se, então, apontar como alguns dos fatores que tornam a mulher uma consumidora de produtos eróticos a sua presença nos espaços públicos e a conseqüente autonomia financeira e emocional, a liberação sexual; os modelos de comportamento produzidos à vida privada pela cultura de massa e viabilizados pelos diferentes veículos de comunicação; a busca por uma vida sexual sem segredo e estimulante; as promessas de orgasmos múltiplos propagadas pela mídia; a condição de merecedora do prazer, dentre outros.

É importante destacar que os discursos presentes nos produtos eróticos reafirmam conteúdos sexualmente explícitos, com pouca ou nenhuma referência à contracepção e à DST/AIDS, padrões ideais de corpos e de beleza e papéis estereotipados do que é ser feminino e masculino, que acabam por valorizar relações sociais assimétricas entre homens e mulheres. Tais discursos são reveladores da hierarquia construída pelo sistema social de gênero, assim como demonstram um movimento simultâneo de reprodução de relações sexuais naturalizadas pelo senso comum. Entretanto, há que se considerar que o mercado de produtos eróticos ainda tem no homem a figura do seu grande consumidor.”